Milicianos armados, impropriamente chamados de “guarda costeira” líbia, desembarcaram à força nesta terça-feira (20) à noite no porto de Misrata 77 migrantes. Por medo de serem torturados nos centros de detenção da Líbia eles resistiram a abandonar o navio porta-contêiners que os resgatou no Mediterrâneo, conforme anunciaram organizações humanitárias.
“Policiais armados entraram no barco e tiraram os migrantes à força. No meio dos confrontos foi lançado gás lacrimogéneo. Algumas pessoas ficaram feridas”, disse hoje à agência de notícias Efe uma testemunha que se encontrava no porto.
Milicianos explicaram à agência espanhola que os migrantes foram levados na mesma noite para centros de detenção, apesar do pedido da organização não-governamental Anistia Internacional, que advertiu que tal ação seria uma nova violação aos direitos humanos. “Apenas 14 dos 91 migrantes aceitaram abandonar o barco e seis migrantes ficaram feridos na operação e foram transportados ao hospital mais próximo”, acrescentou.
A coordenadora humanitária da ONU para a Líbia, María Ribeiro, denunciou o assalto ao navio, em comunicado divulgado nas redes sociais.
“A comunidade humanitária está triste pela forma como os fatos se sucederam. Os refugiados e migrantes que estavam a bordo procediam da Etiópia, da Eritreia, do Sudão do Sul, do Paquistão, do Bangladesh e da Somália”, acrescentou.
“Não querer abandonar um barco relativamente seguro que os resgatou do perigo no mar é uma reação compreensível. Não é aceitável que os esforços de mediação não tenham permitido uma solução pacífica”, ponderou María Ribeiro.
A organização afirmou que o fato de o navio ter sido obrigado a navegar rumo à Líbia depois do resgate supõe uma violação da lei internacional, que impede o desembarque de pessoas em países onde não se respeitam os direitos humanos.
“A recusa de desembarcar é uma prova clara das horríveis condições a que os migrantes e requerentes de asilo estão sujeitos nos centros de detenção da Líbia”, assinalou Heba Morayef, diretora da Anistia Internacional no Oriente Médio e norte de África.
Os 91 migrantes foram resgatados no passado último dia dia 9quando navegavam à deriva num barco pneumático precário que deixou as costas líbias com a intenção de chegar a Itália.
Quando regressaram ao porto de Misrata, 14 deles aceitaram desembarcar e o resto negou-se a deixar o barco, assegurando que preferiam “morrer a bordo” do que voltar para um país onde dizem ter sofrido tortura.
Depois que a Otan, liderada por Washington, destruiu o Estado nacional líbio em 2011 e levou as turbas de terroristas – introduzidas no país pelos EUA – a chacinar o líder Muammar Kadafi, a Líbia virou terra de ninguém, sem lei nem ordem, com várias milícias disputando entre si a terra arrasada pelos bombardeios da Otan. Estabeleceu-se o tráfico de escravos, a tortura e o caos, que incluiu a perseguição violenta aos negros.