Não quer assaltar só a Previdência
Guedes quer acabar com obrigação constitucional mínima para essas áreas
O ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou que o governo vai apresentar ao Congresso uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que desvincula 100% dos gastos do Orçamento.
Isso significa que a arrecadação de impostos que, pela Constituição, é obrigatoriamente destinada à Saúde, Educação e outros setores, deixaria de existir – ou, mais precisamente, seria destinada a outras coisas.
Atualmente, existem duas vinculações orçamentárias principais:
1) Educação: a Constituição estabelece que a União deve despender com “Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE)” o equivalente a 18% da Receita Líquida de Impostos (que é a receita de impostos menos as transferências constitucionais a Estados e Municípios).
2) Saúde: é obrigatória a aplicação em “Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS)” de 15% da Receita Corrente Líquida (que é a soma de todos os tributos – não só os impostos – menos as transferências constitucionais) do exercício anterior.
Além disso, existem despesas obrigatórias, ou seja, aquelas que o governo não pode, pela Constituição, deixar de pagar:
– as transferências para Estados e municípios;
– a folha de pagamento do funcionalismo;
– as aposentadorias da Previdência;
– as pensões e demais benefícios (inclusive abono salarial e seguro-desemprego);
– os juros da dívida pública.
O que Guedes quer fazer é acabar com a vinculação e com a obrigatoriedade de pagar.
Obrigatoriedade de pagar o quê? Com que obrigatoriedade Guedes quer acabar?
Certamente que não é a de pagar os juros da dívida pública. Até porque ele enriqueceu na especulação com esses juros. Quanto às obrigatoriedades em relação ao povo, que se dane o povo.
Em 2018, os gastos do governo foram, resumidamente, os seguintes:
JUROS: R$ 385,426 bilhões;
AMORTIZAÇÃO (sem rolagem): R$ 336,154 bilhões;
PESSOAL: R$ 293,818 bilhões;
SAÚDE: R$ 109,548 bilhões;
EDUCAÇÃO: R$ 99,448 bilhões.
(Fontes: BC e STN/RREO)
O Orçamento da Previdência (Regime Geral), que legalmente não pertence ao orçamento fiscal, pois tem fontes próprias, pagou aposentadorias, pensões e outros benefícios no total de R$ 587,714 bilhões.
Quanto à previdência dos funcionários federais (Regime Próprio), os pagamentos foram de R$ 79,850 bilhões.
É evidente por que Guedes quer assaltar a Previdência – para não pagar ou reduzir barbaramente os seus pagamentos.
E para que reduzir esses pagamentos?
Para transferir os recursos ao setor financeiro, que acha pouco os R$ 721,580 bilhões que levou em 2018, em juros e amortizações (sem refinanciamento/rolagem).
Porém, não basta.
Guedes quer, também, desvincular os recursos para a Educação e Saúde e desobrigar os pagamentos obrigatórios (pessoal, benefícios, etc.).
Vejamos como Guedes apresentou essa proposta, em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo”:
“Os políticos têm de controlar 100% do orçamento. Os deputados vão entender que, em vez de discutir R$ 15 milhões ou R$ 5 milhões de emendas, vão discutir R$ 1,5 trilhão de orçamento da União, mais os orçamentos dos municípios e dos Estados.”
Como todo vigarista, Guedes acha que todos são otários.
Como se alguém acreditasse que a proposta de Guedes é para beneficiar os políticos…
Um líder governista na Câmara declarou ao mesmo jornal: “Guedes está ‘vendendo ilusão’ ao dizer que dará prestígio ao Congresso com controle total sobre o Orçamento”.
Realmente. O que Guedes está dizendo aos deputados é, resumidamente: ‘se vocês acabarem com a Previdência e tirarem o dinheiro público da Educação, da Saúde, dos Estados, dos municípios e até da folha de pagamento, eu dou esse dinheiro para vocês decidirem o que fazer com ele’.
Dá como, se o dinheiro não é dele?
Bem, não é prestígio que Guedes dará aos parlamentares…
No máximo, ele promete vento – e desgraça política para o resto da vida.
Um economista com espírito prático perguntou: “como os parlamentares podem colocar em outro lugar os R$ 600 bilhões da Previdência ou os R$ 300 bilhões de pessoal?”.
Os parlamentares, geralmente, gostam dos seus mandatos – inclusive, gostam de si mesmos.
Tirar R$ 600 bilhões da Previdência ou R$ 300 bilhões da folha de pagamento, no entanto, não fará com que o eleitorado goste deles, para dizer o mínimo.
Com certeza, trata-se de uma discussão surrealista, pois é tudo irreal. Mas, pela reação no Congresso, os parlamentares não acham razoável que Guedes queira que eles tirem o dinheiro da Educação, da Saúde, etc., etc. – pois são eles que responderão por isso.
Nem, muito menos, o dinheiro dos Estados e municípios.
Pois, segundo disse Guedes, as verbas que a Constituição, hoje, obriga que sejam repassadas aos Estados e municípios, também seriam tiradas. Por isso, o orçamento de Estados e municípios não seria mais decidido por eles (e Guedes chama isso de “PEC do pacto federativo”).
PREVIDÊNCIA
Mas há outra questão, além dessas: o anúncio de Guedes de que o governo enviará uma PEC desvinculando 100% das despesas e desobrigando o pagamento de qualquer despesa (seria a “PEC do calote”, se não fosse a “PEC do roubo”), está ligado à “reforma da Previdência”.
É óbvio que a promessa de R$ 1,5 trilhão – o Orçamento todo – é um suborno para que os parlamentares votem contra a Previdência pública.
O próprio Guedes, que não é muito inteligente, deixou escapar isso, na entrevista, ao dizer que o governo tem o apoio, para o ataque à Previdência, de apenas 160 deputados (e, diz ele, “mais 100 que dizem que estão juntos do governo nos bastidores”).
Aliás, até o líder do DEM, deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), repeliu a tentativa de negociação de Guedes, nessa entrevista (“Se cair a idade mínima das mulheres, não poderá mexer nas regras do rural, no BPC (Benefício de Prestação Continuada). Se quer reduzir a idade da mulher, tira do militar. Se quer dar para o militar, tira do rural”).
Respondeu o líder do DEM: “Aposentadoria rural e BPC não tem saída. A regra atual não vai mudar”.
Entretanto, Guedes declarou, também, que a suposta necessidade dessa PEC é porque a “reforma da Previdência”, sozinha, não resolverá os problemas dos Estados e municípios – como, aliás, não resolverá problema algum.
Então, para que serve a “reforma da Previdência”?
Para tirar dinheiro da população.
Para que serve essa nova PEC?
Para a mesma coisa.
“A desvinculação eu quero total. Aí vamos ver quanto dá, mas vou tentar. Os políticos têm de assumir as suas responsabilidades, as suas atribuições e os seus recursos”, disse ele.
Os políticos não estão propondo essa PEC. Mas, Guedes, um golpista financeiro que jamais teve um voto, acha que pode cobrar “responsabilidades” deles e dizer: “a desvinculação eu quero total”.
“São dois projetos grandes e importantes. Um entrando pelo Senado, outro pela Câmara”, afirmou o ministro.
Trata-se de um gênio político, como se pode ver. Se um entra pelo Senado e outro pela Câmara, só pode um dos dois emplacar…
O que Guedes está querendo é uma DRU (Desvinculação de Receitas da União) que, em vez de desviar 30% dos recursos federais para juros, como hoje, possa desviar 100%.
Parece coisa de maluco, mas essa gente é assim, com uma ganância sem a mínima noção de limite – nem de ridículo.
PRISCILA CASALE