Ministério Público cobrou que Vale assine o Termo de Ajuste Preliminar Extrajudicial. Uma nova audiência foi marcada para o dia 14
Em audiência ocorrida na 6ª Vara da Fazenda Pública Estadual e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte, na última quarta-feira, 6, a Vale se recusou a assinar o Termo de Ajuste Preliminar Extrajudicial proposto pelo Ministério Público com ações emergenciais a serem implementadas após o rompimento da barragem da mineradora em Brumadinho, Minas Gerais.
O mar de lama de rejeitos da Vale destruiu as instalações da Mina do Feijão e matou centenas de pessoas. Até o fechamento desta matéria, 157 mortes foram confirmadas e outros 165 ainda permanecem desaparecidos.
De acordo com o promotor André Sterling Prado, que representou o Ministério Público na audiência, a empresa alegou precisar de tempo para análise técnica das medidas. Segundo o promotor “foi um prazo curto, realmente, mas nós não admitimos negociação. A negociação tem que ser em pequenos ajustes, pequenos detalhes. A Vale não tem que questionar isso agora. A Vale tem que simplesmente pagar o que ela causou numa questão emergencial”.
E completou num tom crítico, “as questões técnicas sempre aparecem, sempre justificam adiamentos”. Uma nova audiência foi marcada para a próxima quinta-feira, 14.
Prado afirmou que espera “que a Vale entenda a importância da aceitação desse documento”, já que, caso a empresa decida não assinar “vai estar caracterizada a postura da Vale como uma empresa que não quer ressarcir os crimes que ela têm cometido”. E, se for esse o caso, será pedido que o juiz decida sobre as ações emergenciais requeridas.
“Esse prazo de uma semana já é um prazo muito longo para todas essas pessoas que estão passando necessidade da bacia, que estão sentindo fome, que estão sentindo sede”, lembrou.
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O documento foi redigido pela força-tarefa composta pelo Ministério Público de Minas Gerais (MP-MG), Ministério Público Federal (MPF), Defensorias Públicas estadual e da União, o Estado de Minas Gerais e a advocacias-gerais do Estado e da União, que investigam a ruptura da barragem de Feijão. Antes da nova audiência as instituições e os atingidos devem se reunir com a mineradora.
O objetivo do documento é promover a execução rápida de medidas emergenciais que possam interromper os danos socioeconômicos e socioambientais provocados. O termo não se aplicará às demais ações ajuizadas, ou que venham a ser propostas.
O procurador destacou que a preocupação principal da força-tarefa é que os acordos de Mariana não se repitam. Segundo o promotor, “as instituições não vão permitir que a Vale tome o controle do processo de reparação. Quem vai dizer quem são os atingidos são os próprios atingidos e o Estado, quem vai fazer a reparação é o Estado, e a Vale terá que pagar, é isso que nós queremos”.
Ele lembrou que em Mariana, os governos Federal, de Minas Gerais e do Espírito Santo fecharam um acordo de reparação com as mineradoras, cinco meses depois do rompimento, e sem a participação dos atingidos ou do Ministério Público. Neste acordo foi criada a Fundação Renova, que “tem um grave problema. Quem controla a Fundação Renova é a Vale e a BHP Billiton, ou seja, todas as ações da Fundação Renova acabam no final vendo o interesse da Vale e da BHP, e não a dos atingidos e isso tem gerado um problema muito grande”, destacou.
“Nós [Ministério Público] suspendemos o acordo e tentamos incluir os atingidos”, “mas não foi possível reverter e não funcionou”. Hoje “a Renova, ou seja, a Vale diz quem é atingido e quem vai receber indenização, além de controlar as ações de reparação e todo o dinheiro”.
Se for assinado, o TAP prevê a criação da Comissão de Deliberação e Gestão (CDG) para definição de medidas emergenciais e gestão da conta judicial existente à disposição do Juízo da 6ª Vara de Fazenda Pública Estadual. O grupo será formado por dois representantes das comissões de pessoas atingidas, um representante de povos e comunidades tradicionais atingidas, além de um represente de cada um dos seguintes órgãos: Defesa Civil Estadual, Semad, Seapa, Sedese, MPMG, MPF, Defensoria Pública estadual e Defensoria Pública da União.
Na audiência, a justiça estadual determinou que a Vale realize com urgência, a transferência dos valores que o Estado de Minas Gerais demonstrou ter despendido até o momento com medidas emergenciais, no valor de R$ 13.447.891,50. O que, segundo o promotor, é o mínimo a ser feito para que não fossem interrompidas as buscas.
Em nota, a mineradora apenas afirmou que “mantém contato com as autoridades de Minas Gerais com o objetivo de buscar soluções consensuais de forma a dar maior celeridade à indenização dos atingidos.”
TERMOS
Entre os 40 pontos emergenciais apresentados pela Força-Tarefa estão:
- Cumprir todas as obrigações determinadas na tutela antecipada deferida pelo Juízo da 6ª Vara da Fazenda Pública Estadual e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte nos autos do processo nº 5010709-36.2019.8.13.0024;
- Interrupção, mitigação, recuperação, remediação e reparação integrais dos danos socioambientais e socioeconômicos, causados em todo território atingido, e a proporcionar todos os meios e condições necessários para a integral reparação dos danos socioambientais e socioeconômicos;
- Estancar o carreamento de volume de rejeitos e lama que continuam a vazar das barragens rompidas, inclusive construindo e operando estruturas emergenciais de contenção;
- Apresentar, no prazo improrrogável de 60 dias, plano de manejo e remoção de rejeitos, elaborado com amplo conhecimento e garantindo participação das pessoas atingidas;
- Custear a realização, por entidade independente, de imediato mapeamento dos diferentes potenciais de resiliência, condições sanitárias e de habitabilidade da área atingida, observados, no mapeamento, a espessura da cobertura de lama, a granulometria e PH do material, além da possível concentração de metais pesados e outros resíduos tóxicos;
- Constatadas condições que demonstrem risco à saúde, falta de habitabilidade ou inobservância das condições sanitárias necessárias, disponibilizar moradia adequada, observadas as especificidades locais e a vontade das pessoas atingidas;
- Adotar medidas urgentes que impeçam que os rejeitos contaminem as fontes de nascente e captação de água, bem como qualquer outro curso de água fluvial;
- Controlar, imediatamente, a proliferação de espécies cinantrópicas (ratos, baratas, etc.) e vetoras de doenças transmissíveis às pessoas e aos animais nos locais próximos às residências e comunidades;
- Recompor, pelo prazo mínimo de 36 meses, a arrecadação tributária para o estado de Minas Gerais e para o município de Brumadinho;
- Custear, no prazo de 10 dias a contar da escolha pelas comunidades atingidas pelo rompimento das barragens, a contratação de entidades que prestarão assessoria técnica independente às pessoas atingidas;
- Custear a realização, por entidade independente, idônea e reconhecidamente capacitada, a ser definida pela Comissão de Deliberação e Gestão, de um plano global de recuperação socioambiental da Bacia do Rio Paraopeba e de toda a área degradada;
- Custear a realização, por entidade independente, idônea e reconhecidamente capacitada, a ser definida pela Comissão de Deliberação e Gestão, um plano global de recuperação socioeconômica para atendimento das populações atingidas pelo desastre;
- Apresentar um plano de reparação das vias locais que se encontram obstruídas, rotas de fuga e meios para escoamento para a produção local, inclusive mediante disponibilização de transporte;
- Ressarcir ao estado de Minas Gerais todas as despesas realizadas direta ou indiretamente ou incrementadas em razão do rompimento das barragens;
- Quitar integralmente todas as penalidades administrativas aplicadas pelos órgãos e entidades públicas.
- Pagamento mensal aos atingidos de um salário-mínimo por pessoa adulta; meio salário-mínimo por adolescente; um quarto de salário-mínimo por criança; e o valor referente a uma cesta básica por núcleo familiar. Estes valores não serão deduzidos de indenização ou compensação a serem pagas a qualquer título.
- A Vale ficará obrigada ao pagamento de multa de R$ 20 milhões por cada obrigação eventualmente descumprida, cumulado com multa diária no valor de R$ 2 milhões enquanto persistir o descumprimento.
PENETRAS
Na última terça, 5, moradores e funcionários da Vale entraram em conflito durante uma reunião realizada no Parque da Cachoeira, em Brumadinho. De acordo com os moradores de Córrego do Feijão, o encontro era para escolher os representantes da comunidade na comissão de vítimas e definir a pauta de reivindicações.
“Eles foram de penetra. Não foram convidados. Não era assunto deles. Mas começaram a negar todas os pedidos”, conta o representante Adilson Lopes Silva.
O morador reclama da falta de representantes da Vale que ouçam e atendam os pedidos das localidades atingidas. “Nas comunidades, só tem funcionário disfarçado de voluntário. Não tem ninguém que possa resolver nada”, afirma.
Já Joceli Andrioli, da coordenação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), afirma que o movimento está “preocupado pela lentidão. Estamos observando e atentos para que não se repita o que acontece na bacia do Rio Doce. A reparação deve ter a participação direta, informada e organizada da população atingida”.
CAMILA SEVERO
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