O ministro Sérgio Moro desmentiu que tivesse assumido o Ministério da Justiça e Segurança Pública em troca de Bolsonaro indicá-lo para o Supremo Tribunal Federal (STF).
Disse Moro:
“Ele [Bolsonaro] foi eleito, fez o convite, fui até a casa dele no Rio de Janeiro. Nós conversamos e eu não estabeleci nenhuma condição. Não vou receber convite para ser ministro e estabelecer condições sobre circunstâncias do futuro que não se pode controlar”.
A primeira vaga para o STF, exceto circunstâncias imprevisíveis, só existirá em 1º de novembro de 2020, quando o atual decano do Tribunal, ministro Celso de Mello, completará 75 anos.
Mas o que Bolsonaro disse é que Moro está, apenas e tão-somente, esquentando a cadeira de ministro da Justiça e Segurança Pública, enquanto espera uma vaga no STF. Literalmente:
“Eu fiz um compromisso com o Moro, porque ele abriu mão de 22 anos de magistratura. Eu falei ‘a primeira vaga que tiver lá [no STF] está à sua disposição’. Eu vou honrar esse compromisso com ele, e, caso ele queira ir para lá, será um grande aliado, não do governo, mas dos interesses do nosso Brasil dentro do STF.”
Sem fazer comentários sobre o que ele considera que são os “interesses do nosso Brasil” (o melhor comentário sobre isso consiste nos seus primeiros quatro meses e meio de governo), o que Bolsonaro disse é que Moro somente foi para o Ministério porque ainda não existe vaga no STF.
Ou, mais precisamente, que Moro somente aceitou entrar em seu governo sob a condição de ser indicado para o STF – ou, o que é a mesma coisa, que Moro entrou para o governo devido à promessa de ser indicado para o STF.
E ainda afirmou que, nessa suposta futura nomeação, existe um elemento financeiro, da parte de Moro (“Eu fiz um compromisso com o Moro, porque ele abriu mão de 22 anos de magistratura“).
Um jornal conservador, na terça-feira, observou, em editorial, que “coisas assim foram examinadas, à farta, na Operação Lava Jato” (v. O Estado de S. Paulo, 14/05/2019).
Quando o então juiz Sérgio Moro aceitou ser ministro, nós apontamos que Bolsonaro não tinha interesse algum na luta contra a corrupção. Pelo contrário, dissemos, “Bolsonaro quer usar Moro como uma espécie de licença para roubar, concedida aos seus sequazes” (v. Bolsonaro quer usar Moro para dar respeitabilidade de fachada a um governo sem nenhuma).
Não se passaram seis meses e todos os fatos – a começar pelos desdobramentos do caso Flávio Bolsonaro/Queiroz – comprovaram o que tínhamos dito (aliás, sem nenhum mérito extraordinário: apenas tiramos a conclusão possível, a partir dos fatos já conhecidos na época).
Fora isso – ou, melhor, além disso – Bolsonaro demonstrou, durante esse tempo, um sustentado desrespeito a Moro, o que somente confirma o seu desapreço pela luta contra a corrupção. Algo que, aliás, ele próprio manifestou, ainda na campanha eleitoral (v. Bolsonaro diz que ideologia é mais grave que corrupção).
O último episódio foi a votação sobre o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) na comissão do Congresso que examina a medida provisória sobre as mudanças administrativas.
Bolsonaro, ao mesmo tempo em que declarava publicamente que o Coaf deveria ficar com o Ministério de Moro, jogou – abertamente, pois só não viu quem não quis – para que o órgão fosse transferido para a órbita de Paulo Guedes.
Por quê?
Porque foi o Coaf que detectou as movimentações financeiras anômalas de seu filho, Flávio Bolsonaro, de seu “gerente”, Fabrício Queiroz, e do próprio Jair Bolsonaro (v., p. ex., Queiroz recolhia de 9 e depositava para a esposa de Bolsonaro).
Flávio Bolsonaro, Queiroz – e mais 88 pessoas, inclusive a mãe e a mulher do chefe do Escritório do Crime, Adriano da Nóbrega, nomeadas por Flávio para o seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) – tiveram os seus sigilos bancário e fiscal quebrados (v. Justiça quebra sigilo de Queiroz e Flávio Bolsonaro).
A base para a quebra dos sigilos foi, precisamente, as informações do Coaf sobre as movimentações financeiras suspeitas do filho de Bolsonaro, de Queiroz, e de outros membros do círculo (v., também, Quem fazia os depósitos na conta de Flávio Bolsonaro?).
O próprio Jair Bolsonaro atacou o Coaf, inclusive mentindo sobre uma suposta quebra ilegal do sigilo bancário de Queiroz – acusação que é, evidentemente, extensiva à detecção, pelo Coaf, das anormalidades bancárias na conta de seu filho e de sua mulher, Michele (v. Bolsonaro ataca Coaf: “quebrou sigilo de Queiroz sem autorização judicial” e Bolsonaro à repórter estrangeira que perguntou sobre os ilícitos de Flávio: “não é da sua conta”).
Daí, a atitude de Bolsonaro de empurrar o Coaf para Guedes – um escroque escolado – e tirá-lo de Moro.
Porém, fez isso do modo mais sem vergonha possível: dizendo que estava fazendo o contrário.
Em Curitiba, na segunda-feira (13/05), Moro referiu-se de passagem à questão, ao dizer que “o que o passado nos revela é que ele [o Coaf] fica negligenciado na pasta da Economia”.
Como a “pasta da Economia” não existia – foi extinta há 27 anos, com o fim do governo Collor, e só agora exumada – Moro, consciente ou inconscientemente, não estava se referindo ao passado.
DECRETO
Essa é, como dissemos, apenas uma amostra da falta de respeito de Bolsonaro pelo ex-juiz.
Mas há outra, também muito recente.
À notícia de que o decreto sobre as armas foi alterado, depois que Moro já o havia assinado, para aumentar o número dos beneficiados com porte de armas, somou-se outra: a de que a versão final do texto chegou ao Ministério da Justiça uma hora antes dele ser anunciado (e assinado) por Bolsonaro.
Um dos pareceres da assessoria de Moro confirma o fato:
“Com solicitação de extrema urgência, os autos foram remetidos a esta consultoria na data de 07/05/2019, às 15h00min. Diante do requerimento de urgência e considerando a complexidade do tema e o exíguo prazo concedido para a análise, este órgão consultivo fica impedido de proceder uma análise mais acurada no texto da proposta.”
Esse parecer foi assinado por Priscila Helena Soares Piau, advogada da União, às 18h do dia 7, portanto, duas horas depois de Bolsonaro ter anunciado o decreto – e divulgado o texto.
Não foi o único parecer do Ministério da Justiça.
Aquele que relata um tempo maior de análise – assinado pelo chefe da consultoria jurídica do Ministério da Justiça, João Bosco Teixeira – revela que a minuta do decreto chegou às mãos do autor no final do dia 6, isto é, na véspera de Bolsonaro anunciá-lo (v. Bolsonaro anunciou decreto de armas mesmo sem parecer do ministério de Moro).
Entretanto, esse último parecer foi assinado às 18h27min do dia 7, bem depois de Bolsonaro, às 16h, ter anunciado e firmado o decreto.
Durante a assinatura do decreto por Bolsonaro, no meio da algazarra promovida pela chamada “bancada da bala”, Moro ficou sentado – e aplaudiu protocolarmente. Não era para menos. Aliás, era para mais.
Poderíamos lembrar, também, a nomeação, por Moro, de Ilona Szabó para suplente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – nomeação que foi anulada por Bolsonaro do modo mais irracional possível (v. “Carta branca” de Bolsonaro não permite nem que Moro nomeie suplente de Conselho).
Mas não pretendemos fazer uma lista das humilhações a que Bolsonaro tem submetido Moro. Abaixo, listamos algumas das nossas matérias, que tocaram no assunto.
A rigor, não se poderia esperar outra coisa de Bolsonaro, um submisso que é doido para submeter os outros à sua submissão.
Convenhamos, isso não vale um lugar no STF.
O maior jurista brasileiro, Rui Barbosa, não somente jamais foi ministro do STF, como não precisou disso para entrar na História do Brasil.
C.L.
Matérias relacionadas: