A comissão externa da Câmara dos Deputados que acompanhou as investigações sobre o vazamento de rejeitos tóxicos na barragem da multinacional Norsk Hydro, na cidade de Barcarena (PA) encerrou seus trabalhos, com a aprovação na terça-feira (13) do relatório final e apontou falhas e ainda, possíveis crimes praticados pela múlti.
Depois de quase nove meses de investigação, o documento, elaborado pelo coordenador dos trabalhos, deputado Edmilson Rodrigues (PSOL-PA), recomenda a continuidade das investigações nos âmbitos civil e criminal.
O deputado afirma que houve irregularidades no licenciamento ambiental da empresa norueguesa Hydro Alunorte, ineficácia da inspeção ambiental para detecção de riscos e demora no atendimento à população afetada.
O texto também denuncia que os depósitos de rejeitos da Hydro foram construídos em área de proteção ambiental, com suspeita de fraude na base de dados do Pará sobre reservas ecológicas.
“O uso indevido de uma bacia para contenção de rejeitos ocorreu porque a empresa tinha interesse em usá-la a despeito da lei não autorizar. No entanto, ela teve autorização executiva de órgãos do estado, que licenciaram com desobediência às leis ambientais. As consequências disso, quem são os responsáveis, isso tem que ser investigado. Se for um diretor da empresa ou a empresa como um todo, um secretário ou um governador, um analista ambiental que responda civil ou criminalmente pelas ocorrências”, defendeu Edmilson.
O vazamento de rejeitos da produção de alumina da empresa Hydro Alunorte ocorreu entre os dias 16 e 17 de fevereiro, após fortes chuvas em Barcarena. Logo, uma cor avermelhada tomou conta de rios e igarapés da região.
PARECER
O relatório aponta a situação de abandono a que está submetida a população de Barcarena. Segundo o parecer, os moradores da região estão submetidos a uma situação de risco, a que se soma uma vulnerabilidade social crônica, especialmente no que se refere às condições de saneamento no município.
Segundo os dados da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes) indicam que ali se encontra o pior sistema de saneamento do país. O levantamento mostra que, no município paraense, a taxa de internação por doenças relacionadas ao saneamento ambiental inadequado é de 181 por 100 mil habitantes.
Apenas 21% dos domicílios têm abastecimento de água. Não existe tratamento de esgoto ou destinação adequada dos resíduos sólidos, e a coleta do lixo abrange apenas 56% da cidade.
A comissão externa encontrou registros de 26 casos de contaminação nos rios, igarapés e florestas da região desde o ano 2000.
Ainda, a mesma empresa Alunorte, já havia sido responsável por dois acidentes, em 2003 e em 2009. Na época, a fábrica pertencia à Vale – o conglomerado norueguês a adquiriu em 2011. No último acidente, o IBAMA aplicou multa de R$ 17,1 milhões por lançamento de rejeitos no rio Murucupi, mesma suspeita atual.
CONTAMINAÇÕES
No início das operações da comissão, durante um sobrevoo, foram coletadas amostras e assim, foram feitas as seguintes constatações: Alteração da coloração do igarapé localizado às proximidades das residências locais (cor alaranjada com odor acentuado); ausência de qualquer barreira física entre a bacia de rejeitos (DRS) e a comunidade local, com risco de acidentes; verificação de sacos de areia nos DRS; alagamento da área 45 no interior da empresa e a verificação de uma tubulação projetada para fora dos limites da empresa (tubo clandestino).
Em agosto de 2018, o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Pará (MPPA) apresentaram um termo de compromisso para ajustamento de conduta (TAC) que inclui obrigações para o estado do Pará e para a empresa.
Um dos principais pontos do acordo é a constituição de um Comitê de acompanhamento para o cumprimento das medidas. O comitê será externo às partes, independente, composto por participantes da sociedade civil e terá acesso a informações mensais sobre a execução dos compromissos.
Pontos do acordo proposto pela força-tarefa do MPF e MPPA ao governo do Pará e à Hydro tratam de ações emergenciais para atendimento das comunidades atingidas e para assegurar que as irregularidades não se repitam. Além disso, a responsabilidade pelos danos causados e retorno do funcionamento da planta industrial em sua capacidade integral não fazem parte do acordo: essas questões continuarão sendo tratadas na esfera judicial.
Entre as medidas propostas para o governo paraense estão a suspensão de todos os licenciamentos na área do Distrito Ambiental de Barcarena até a identificação das comunidades tradicionais existentes na região, além das medidas propostas para a Hydro estão o pagamento imediato de R$ 28,7 milhões em multas até 10 dias após a assinatura do acordo para que o dinheiro seja destinado ao atendimento das comunidades atingidas e para a fiscalização das fábricas em Barcarena.
Ainda, o acordo estabelece que as famílias que devem receber, imediatamente após a assinatura do acordo, um salário mínimo por mês para comprar água e comida, por meio de cupons.
CPI
O parecer final apontou uma série de irregularidades no decorrer dos trabalhos da Comissão que tiveram a apuração dificultada pelas limitadas prerrogativas de uma comissão externa e recomendou a criação de uma CPI para apurar os crimes das mineradoras em Barcarena.
“No geral, faz-se necessário e urgente viabilizar e apoiar a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada para apurar os fatos aqui colacionados, com ênfase nos seguintes problemas como falhas na transparência em prejuízo do controle social, suspeita de fraude no sistema da Semas/PA para ocultar a existência de reserva ecológica sobreposta ao DRS2, licenciamento ambiental concedido ao DRS2 sem os estudos mínimos necessários à análise de sua viabilidade, perseguição aos representantes das comunidades afetadas, falhas na fiscalização das atividades poluidoras do pólo de Barcarena, demora na adoção de medidas para viabilizar o licenciamento ambiental do pólo industrial de Barcarena e a suspeita de descartes noturnos de efluente sem tratamento pela empresa Hydro Alunorte”, recomenda o relatório aprovado.
RISCOS À SAÚDE
O Instituto Evandro Chagas identificou alterações nos níveis de alumínio, ferro, cromo, chumbo, arsênio, urânio e mercúrio nos rios e igarapés. Já a Hydro chegou a encomendar estudo externo e a se valer de laudos do IBAMA e da Semas para negar o transbordamento de seus depósitos de rejeitos, as irregularidades nas tubulações e a responsabilidade na contaminação. Porém, o deputado Edmilson rebateu os argumentos da empresa com estudos do Instituto de Química da Universidade Federal do Pará.
Ainda, como há risco de efeitos cancerígenos e de danos dermatológicos, neurológicos e pulmonares na população, o relator cobra uma força-tarefa do governo do Pará e da Prefeitura de Barcarena para examinar a saúde dos ribeirinhos da região.
Por determinação da Justiça do Pará, a empresa Hydro Alunorte está com 50% de suas atividades paralisadas desde fevereiro.
THIAGO CÉSAR
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