Procuradores do Ministério Público Federal (MPF), magistrados, parlamentares, acadêmicos, advogados, pesquisadores e dirigentes de organizações sociais, repudiam o decreto editado pelo governo Bolsonaro, que propõe a extinção – quase por completa – de conselhos sociais, órgãos colegiados e outros meios que preconizam a participação e controle da sociedade em estruturas governamentais que promovem políticas públicas importantes, como a erradicação do trabalho escravo e do trabalho infantil; de atenção ao idoso, à pessoa com deficiência, ao índio, entre outros.
O decreto 9.759/2019, assinado na semana passada por Bolsonaro é mais um sintoma da falta de empatia que o inquilino do Palácio do Planalto apresenta quando se depara com mecanismos, princípios e vetores que norteiam a Democracia e a proteção social em nosso país.
Segundo o governo, dos cerca de 700 colegiados apenas 50 poderão ficar de pé. Pela determinação de Bolsonaro, seus ministros têm até 28 de maio para encaminharem à Casa Civil a relação dos colegiados sob sua responsabilidade e solicitarem, mediante argumento, que alguns grupos sejam mantidos, caso essa tarefa seja de competência do executivo.
O Ministério Público Federal (MPF) manifestou sua preocupação com as consequências do ato de Bolsonaro. A nota, assinada pelos coordenadores e membros integrantes das Câmaras de Coordenação e Revisão do MPF e pela Procuradoria, lembra que a Constituição Federal de 1988 prevê a participação popular na gestão pública como pressuposto do sistema democrático – o que, segundo a nota, “garante, não só aos indivíduos, como também aos grupos e associações, o direito à representação política, à informação e à defesa de seus interesses, possibilitando-lhes a atuação na gestão dos bens e serviços públicos”, diz o comunicado.
No domingo, Bolsonaro escreveu no twitter que o ato assinado por ele durante a cerimônia de balanço dos cem dias de governo geraria uma “gigantesca economia, desburocratização e redução do poder de entidades aparelhadas politicamente usando nomes bonitos para impor suas vontades, ignorando a lei e atrapalhando propositalmente o desenvolvimento do Brasil, não se importando com as reais necessidades da população”, escreveu Bolsonaro.
Após ter acabado com o Ministério do Trabalho, ter defendido em rede nacional o fim da Justiça trabalhista, impor uma caça às bruxas a fiscais de órgãos do meio ambiente e do trabalho, editar medida para desmontar o financiamento de representações dos trabalhadores, tentar impor a alunos e professores a sua ideologia do partido único, ou melhor, apenas a ideologia de seu partido, através da falácia da “escola sem partido”, e etc, Bolsonaro quer acabar com quase todos os conselhos, comitês, comissões, grupos, juntas, equipes, mesas, fóruns, salas e qualquer outra denominação dada a colegiados que foram criados com o objetivo de permitir a contribuição da sociedade civil nas decisões do Estado.
Para o presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Guilherme Feliciano, as justificativas do governo para o decreto são infundadas, pois na sua avaliação, se a crítica relacionada às pessoas que estão nos órgãos possui base técnica, o ideal seria avaliar caso a caso, e não promover uma extinção de tudo que havia sido construído.
Ele destacou que dentro dos conselhos existem participações plurais, que representam diversos setores da sociedade civil. E lembra que muitos conselhos e comitês foram criados por governos anteriores ao do Partido dos Trabalhadores (PT) – inclusive – de espectros políticos diferentes, como no caso do governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Feliciano lembra que um dos colegiados que poderão deixar de existir é a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) – que é representada por magistrados do Trabalho, Procuradores da República, empresários, trabalhadores, entre outros.
“A Conatrae teve um grande papel, inclusive na elaboração das políticas públicas que fizeram com que o Brasil se tornasse até pouco tempo – isso tem sido perdido nos últimos três anos – um exemplo para o mundo de políticas públicas para o combate ao trabalho escravo contemporâneo. Isso foi construído com muita energia e esforço administrativo dedicado por sucessivos ministérios e pela própria Conatrae”, comentou Feliciano.
Na avaliação do cientista político e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Wagner Romão, a ação é mais uma demonstração de que o governo não consegue lidar com opiniões divergentes.
“Isso é uma linha autoritária do governo Bolsonaro. Há conselhos criados na década de 90 e que estruturam as políticas. Não dá para pensar na política urbana sem o Conselho da Cidades, por exemplo”, criticou o professor em entrevista à Rádio Brasil Atual.
O cientista alerta ainda que antes do decreto, os colegiados já estavam desarticulados pelo próprio governo. “Deixaram de convocar as reuniões desses conselhos, ou seja, nessa estrutura governamental eles não funcionavam. Aliás, os conselhos previstos em lei e que permaneceram, como o Conselho Nacional da Saúde, também estão em risco, porque a linha autoritária tende a agudizar nos próximos meses”, disse Romão.
A ONG Transparência Brasil também criticou a ameaça de fechamento do Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção (CTPCC). Para a organização, “um governo cada vez mais fechado é um governo cada vez mais corrupto”, diz a nota da entidade, que afirma ainda que a gestão Bolsonaro não está interessada em ouvir o que a sociedade tem a dizer.
No início desta semana, os deputados Alessandro Molon (PSB-RJ), líder da Oposição na Câmara, e Humberto Costa (PT), apresentaram, cada um, um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) para sustar os efeitos do decreto 9.759/2019.
ANTÔNIO ROSA