Luciano Macedo, o catador de material reciclável de 28 anos, que tentou ajudar o músico Evaldo dos Santos Rosa e sua família, alvos da fuzilaria de uma patrulha do Exército em Guadalupe, no domingo, dia 7, morreu na madrugada da quinta-feira (18) no Hospital Carlos Chagas, em Marechal Hermes. Seus familiares receberam a notícia às 6 horas da manhã.
O jovem deixa a mulher, Daiana Horrara, de 27 anos, que está grávida de 5 meses.
Depois de 11 dias lutando pela vida, Luciano Macedo havia passado por uma traqueostomia e cirurgia no pulmão na tarde de quarta-feira, mas não resistiu e morreu.
A Justiça tinha determinado, por duas vezes, a sua transferência para outro hospital, melhor equipado, mas nenhuma delas foi cumprida. Segundo o hospital, porque seu estado era gravíssimo.
Ele fora atingido por três balas nas costas, ao tentar prestar ajuda a Evaldo e à sua família, alvos dos tiros deflagrados pela patrulha do Exército em Guadalupe.
Evaldo Santos Rosa conduzia um Ford Ka branco com sua esposa, a técnica de enfermagem Luciana Nogueira, e uma amiga, a também técnica de enfermagem Michelle Neves, seu sogro Sérgio Araújo, e seu filho David, de 7 anos, à uma festa de chá de bebê quando se depararam com uma patrulha.
Esta patrulha era composta de um tenente, um sargento, um cabo e nove soldados que, imediatamente, sem pedir a identificação dos passageiros, ou, mesmo, que o carro parasse, começaram a atirar.
Foram mais de 200 tiros, dos quais 83 atingiram o carro com a família dentro. Evaldo e seu sogro, Sérgio Araújo, foram baleados. O sogro foi ferido e Evaldo morreu no local.
Luciano Macedo, disse sua viúva – que estava com ele no local da fuzilaria -, foi em direção ao carro quando notou que, nele, havia uma criança, o filho de Evaldo Rosa. Assim, correu para salvá-la, conseguindo retirá-la do carro.
Em seguida, voltou ao carro para socorrer Evaldo Rosa. Então, recebeu três tiros nas costas.
No chão, ele chamou por sua mulher. Ela conseguiu arrastá-lo para uma área de sombra, mas um dos atiradores, de fuzil em punho, afastou-a do marido.
“Foi como se tivessem me quebrado os dois braços e as duas pernas”, disse Daiana. “Ele era meu companheiro, meu amigo, fazia todas as minhas vontades, vivia beijando a minha barriga. Seu maior sonho era ver o rosto do filho”.
Luciano e Daiana estavam recolhendo pedaços de madeira na rua, quando começaram os tiros.
Além de Macedo, que acabou dando sua vida para ajudar uma pessoa que ele nem conhecia, e que estava sendo vítima de uma violência inominável, vários outros moradores e pessoas que passavam pelo local, que fica na Zona Norte do Rio, alertaram os atiradores de que se tratava de uma família. Mesmo assim, mesmo vendo que não havia revide algum, os tiros continuaram freneticamente.
A esposa de Evaldo chegou a descrever que mesmo depois de verem o absurdo que fizeram, “eles ficaram de deboche”. Luciana contou que a família vinha cantando, brincando dentro do carro, porque ali se passa devagar. “Eu vi que o Exército estava do lado de lá (da avenida), mas é Exército, estava para te proteger. Aí deram um tiro. Eles acertaram meu marido. Atiraram de propósito”, relatou.
O Comando Militar do Leste, que inicialmente havia emitido uma nota adotando a primeira versão, de que a fuzilaria, ordenada pelo oficial da patrulha, fora um revide a um suposto ataque de bandidos, voltou atrás no dia seguinte e determinou a prisão em flagrante de todos os envolvidos. Imediatamente foi aberto um inquérito policial militar. Dos doze integrantes da patrulha que fez os 80 disparos no automóvel, dois motoristas e um soldado, que não atirou, foram liberados.
Já o responsável pela patrulha, o segundo-tenente Ítalo da Silva Nunes Romualdo, o terceiro-sargento Fabio Henrique Souza Braz da Silva e os soldados Gabriel Christian Honorato, Matheus Santanna Claudino, Marlon Conceição da Silva, João Lucas da Costa Gonçalo, Leonardo Oliveira de Souza, Gabriel da Silva de Barros Lins e Vitor Borges de Oliveira tiveram prisão preventiva decretada e vão responder perante a Justiça Militar por homicídio doloso e tentativa de homicídio.
O episódio em si, e mais do que isso, a tentativa de alguns setores e personalidades em tratá-lo como um “mero incidente”, que “pode acontecer”, ou como “algo comum e corriqueiro”, gerou uma enorme revolta em todo o país. O Exército, como disse a própria Luciana Nogueira, esposa do músico assassinado, “existe para nos proteger”. Não é aceitável assistir os soldados fuzilando gente do povo.
O Exército não é uma instituição que deva permitir a pessoas degeneradas e covardes prosperarem em seu interior.
Não é à toa que vários integrantes de suas fileiras chegam com galhardia aos mais altos postos da instituição e são respeitados como heróis. Este é o caso do Marechal Osório, de Caxias e de muitos outros.
Há, entretanto, figuras que não conseguem permanecer por muito tempo dentro do Exército. Não conseguem honrar a farda que vestem ou vestiram.
No caso de Guadalupe, quem cometeu esse crime covarde contra Evaldo Rosa e sua família, e agora contra Luciano Macedo, foram pessoas usando a farda do Exército, e não a instituição enquanto tal. Isso é um fato. E é um fato também que elas devem ser punidas exemplarmente por seu crime.
Mas, é sempre bom destacar que, quando o exemplo de comportamento degenerado e corrompido vem de cima, quando há estímulos a milícias e à violência por parte das altas esferas do poder, é comum assistirmos a alguns comandados acharem que podem cometer crimes porque acreditam que terão respaldo.
Aqueles, como Bolsonaro, e seu entorno, que homenageiam torturadores e convivem com “justiceiros” – até na sua vizinhança imediata, isto é, com um assassino do outro lado da rua – e pensam que o Exército Brasileiro pode ser transformado em “milícia”, ou tentam tornar seus soldados “capitães do mato”, estão muito enganados.
O país tem certeza que, apesar de alguns fazerem corpo mole, a punição aos responsáveis pelo massacre de Guadalupe será implacável.
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