O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), retirou, na quinta-feira (18/04), a proibição do site “O Antagonista” e da revista “Crusoé” divulgarem a matéria “O amigo do amigo de meu pai”.
A matéria revelava que, em documento entregue à força-tarefa da Operação Lava Jato, Marcelo Odebrecht explicou que a expressão “amigo do amigo de meu pai”, que constava em um e-mail seu de 2007, designava o atual presidente do STF, Dias Toffoli.
O recuo de Moraes na proibição foi no mesmo dia em que Toffoli declarara que “não se trata de censura, mas de defesa do STF”.
Algumas horas antes da nova decisão de Moraes, o decano do STF, Celso de Mello, divulgara mensagem, condenando a proibição:
“Eventuais abusos da liberdade de expressão poderão constituir objeto de responsabilização ‘a posteriori’, sempre, porém, no âmbito de processos judiciais regularmente instaurados nos quais fique assegurada ao jornalista ou ao órgão de imprensa a prerrogativa de exercer, de modo pleno, sem restrições, o direito de defesa, observados os princípios do contraditório e da garantia do devido processo legal”, escreveu o decano.
“O Estado não tem poder algum para interditar a livre circulação de ideias ou o livre exercício da liberdade constitucional de manifestação do pensamento ou de restringir e de inviabilizar o direito fundamental do jornalista de informar, de pesquisar, de investigar, de criticar e de relatar fatos e eventos de interesse público, ainda que do relato jornalístico possa resultar a exposição de altas figuras da República!
“A prática da censura, inclusive da censura judicial, além de intolerável, constitui verdadeira perversão da ética do Direito e traduz, na concreção do seu alcance, inquestionável subversão da própria ideia democrática que anima e ilumina as instituições da República!
“… não há lugar possível para o exercício do poder estatal de veto, de interdição ou de censura ao pensamento, à circulação de ideias, à transmissão de informações e ao livre desempenho da atividade jornalística”.
Com a declaração de Celso de Mello, o presidente do STF e o ministro Alexandre de Moraes ficaram isolados, melhor seria dizer, completamente isolados.
Do senador Randolfe Rodrigues até a Rede Globo – ou, melhor, até os próprios atingidos – não houve quem apoiasse a proibição.
A exceção foi o PT, inclusive através de sua presidente nacional, Gleisi Hoffmann (na quarta-feira, portanto, após a proibição, Hoffmann publicou no Twitter: “Avisamos da crise institucional após divulgação de grampo ilegal de Dilma, do TRF4 dizer q Lava Jato ñ precisava seguir processo, q presidenta foi derrubada e Lula foi preso p/ ser impedido de disputar eleição. Produção de fake news e vazamentos contra STF tem de ser investigados”).
Moraes teve que aguentar os parabéns por seu recuo, em nome do amor à democracia e à liberdade de imprensa, de Bolsonaro.
Pior que isso, somente receber lições de humanismo por parte de Adolf Hitler.
MANIFESTO
Moraes não se refere, em sua decisão de quinta-feira, às suas outras medidas – algumas buscas e apreensões na casa de alguns malucos insignificantes (do ponto de vista político, bem entendido).
O motivo para a proibição imposta ao “O Antagonista” e à “Crusoé”, realmente, era impedir que se conhecesse algo – verdadeiro – sobre o presidente do STF, Dias Toffoli.
Que esse “algo” não fosse diretamente comprometedor – como afirmamos em outro artigo – era pouco importante para Toffoli (v. Fachin pede explicações sobre inquérito das “fake news” do STF).
Pelo visto, o que ele achava comprometedor era a lembrança de que foi Advogado Geral da União no governo Lula – ou de que foi indicado para o STF por Lula.
Pessoa de luzes não muito intensas, Toffoli transformou um inquérito para apurar a origem de uma campanha contra o STF, em um meio de blindar-se contra lembranças desagradáveis – como se o cargo de presidente do Supremo tornasse a sua pessoa inatingível.
Em suma, Toffoli achava possível manter uma imagem falsa, mesmo com o público farto de saber qual foi a sua trajetória.
Mas há coisas que, como disse Máximo Gorky, nem o machado é capaz de apagar.
Em seu recuo sobre a proibição – uma proibição, como notou Celso de Mello, sem qualquer processo judicial – diz o ministro Alexandre de Moraes que estava mudando a sua decisão porque lhe chegou, via Sedex, correspondência da 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba, mostrando que o documento citado na matéria da “Crusoé” era verdadeiro.
Infelizmente, é uma alegação demasiado esfarrapada para um jurista de tal quilate.
Jamais houve dúvida que o documento era verdadeiro.
Tanto assim que ninguém contestou a sua autenticidade.
A dúvida era se a Procuradoria Geral da República recebera uma cópia dele – como afirmava a matéria da “Crusoé” – ou não.
A procuradora geral afirmou que não recebera a cópia – e, realmente, não recebeu.
Mas isso não era motivo para proibir a matéria – pois o documento estava exatamente onde disse a revista: em Curitiba.
Portanto, a proibição era injusta – e aqui não estamos falando do aspecto jurídico da questão (sob esse aspecto, mesmo que o documento fosse falso, não poderia ser suprimido sem processo judicial, sem direito de defesa, etc.).
Não temos nenhum problema em apontar a injustiça da proibição, independente da posição política da “Crusoé” e de “O Antagonista”, sabidamente e assumidamente direitista.
Os indivíduos que acham que o rigor da lei e da Justiça – para não falar do rigor da injustiça – deve ser aplicado apenas aos seus inimigos, estão destinados ao opróbrio, à execração pública.
Entretanto, é esse, basicamente, o significado do manifesto que o PT divulgou na quinta-feira (18/04), assinado por Lula da Silva, Gleisi Hoffmann, Paulo Pimenta e Humberto Costa (v. aqui a íntegra).
O PT parece inconformado porque “tantas vozes se levantam contra a censura a uma revista eletrônica que nunca primou pela credibilidade nem pela isenção editorial”.
A “Crusoé” pode ser o que for – ou o que é. Mas, nesse caso, ela estava proibida de dizer algo que era verdade.
Lula e sequazes, portanto, não estão inconformados por mentiras que a revista tenha publicado.
Além disso, o PT não teve nenhum problema em republicar matéria com uma declaração do vice-presidente, Hamilton Mourão, sobre o caso Queiroz, dada à mesma “Crusoé”, quando achou que isso lhe favorecia (v., no site do PT, Caso ‘Cadê o Queiroz’ tinge a posse de Bolsonaro de laranja).
Aliás, sejamos justos: quando a “Crusoé” denunciou que o ministro da Economia de Bolsonaro, Paulo Guedes, deu um golpe no fundo de pensão dos funcionários do BNDES, ninguém a acusou por sua posição política – pelo contrário, esta última era uma prova de credibilidade (v. “Posto Ipiranga” arrombou fundo dos funcionários do BNDES).
Porém, em seu “manifesto”, diz o PT que “nunca defendeu, nunca praticou e jamais defenderá a censura, nem mesmo contra nossos mais mentirosos detratores”.
Mas a questão é, precisamente, o que o PT defende contra a verdade, não contra a mentira.
A nota é, do começo ao fim, uma tentativa de continuar com a linha pseudo-persecutória, segundo a qual Lula e o PT nada fizeram – não armaram um esquema sórdido na Petrobrás e nos fundos de pensão, não se tornaram aspiradores de propinas, não assaltaram e não acoitaram assaltantes do dinheiro público.
Tudo é perseguição política.
Quanto ao dinheiro que já foi devolvido ou recuperado (cerca de R$ 4 bilhões até agora, contando com os bens já bloqueados), deve ser alguma alucinação…
Desse jeito, o máximo que podem conseguir – como Toffoli e Moraes quase conseguiram – é apresentar Bolsonaro como defensor da liberdade de imprensa, da democracia e da luta contra a corrupção.
O leitor pode pensar que isso parece uma casa de doidos.
Somente não é porque o povo – a realidade – existe.
Tanto assim que o ministro Moraes teve que consertar (pelo menos em parte) o estrago causado por sua decisão.
CARLOS LOPES
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