Os restos mortais do sindicalista Aluísio Palhano Pedreira Ferreira, sequestrado e morto em 1971 durante a Ditadura Militar, foram identificados 47 anos depois do seu desaparecimento. Esta é a quinta ossada identificada que foi encontrada na vala comum de Perus, em São Paulo, por meio de exame de DNA.
Da sua prisão em 9 de maio de 1971, até a sua morte, no dia 20 do mesmo mês, Palhano foi torturado nas dependências do DOI-CODI de São Paulo, chefiado por Carlos Alberto Brilhante Ustra.
O anúncio da identificação do dirigente sindical foi feito pela Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, nesta segunda-feira (3), durante um encontro com familiares em Brasília.
É a quinta identificação desde o descobrimento dos milhares de restos mortais e a segunda da pesquisa realizada pela equipe de antropologia forense da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o Grupo de Trabalho Perus (GTP), que foi contratado pela Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos (Cemdp), do governo federal, em 2014.
Segundo a Unifesp, a confirmação foi concluída no mês passado, depois que o GTP recebeu resultados de exames de DNA a partir de amostras enviadas a uma entidade em Haia, na Holanda.
A vala clandestina do Cemitério Dom Bosco, no distrito de Perus, em São Paulo, foi descoberta em 1990. Desde então, mais de mil ossadas encontradas no local foram objeto de análise e também de esquecimento, o que só acabou com a formação do GTP.
Durante o evento, a filha de Palhano, Márcia Ferreira, recebeu o relatório com as perícias que confirmaram a identidade de seu pai.
“Meu pai pertence à Baia de Guanabara, só isso que vou fazer”, afirmou Márcia. A família deve cremar os restos mortais do pai e jogar as cinzas no mar. Hoje com 70 anos e aposentada, ela afirma que a identificação é muito importante para lhe garantir o direito ao luto.
“Você saber que alguém morreu, mas não ter certeza e as pessoas olharem para você achando que ‘quem sabe, talvez’, é muito ruim”, afirmou Márcia.
PROEMINENTE
Aluízio Palhano Pedreira Ferreira foi um destacado líder sindical brasileiro. Foi por duas vezes presidente do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Crédito (CONTEC) e vice-presidente do Comando Geral dos Trabalhadores, entidade dissolvida após o golpe militar contra o presidente João Goulart em 1964.
“Palhano teve os direitos políticos cassados e buscou asilo na Embaixada do México, em junho, deixando a esposa e os filhos no Brasil. Daquele país, seguiu para Cuba, onde viveu alguns anos, participando em mutirões do corte de cana e trabalhando na Rádio Havana, sendo sua voz captada no Brasil. Lá foi eleito pela OLAS – Organização Latino-americana de Solidariedade, representante do movimento sindical do Brasil, em 1967. No final de 1970, regressou clandestinamente ao País para se integrar à VPR. Era um dos contatos, no Brasil, do agente policial infiltrado José Anselmo dos Santos, o cabo Anselmo, que possivelmente o tenha entregue aos órgãos de segurança” – (cf. SEDHPR, CEMDP, “Direito à Memória e à Verdade”, p. 158).
DOI-CODI
Palhano foi sequestrado por agentes da repressão no dia 9 de maio de 1971, em São Paulo (SP), pouco mais de cinco meses depois do seu retorno ao Brasil.
Sua prisão e morte foram denunciadas pelo preso político Altino Rodrigues Dantas Jr., em carta enviada do Presídio Romão Gomes, de São Paulo, em 1º de agosto de 1978, ao general Rodrigo Octávio Jordão Ramos, ministro do STM que vinha, naquele tribunal superior, adotando corajoso posicionamento contrário às violações de Direitos Humanos já denunciadas há vários anos.
A carta de Altino contém informações taxativas: “Na época comandava o DOI-CODI o Major Carlos Alberto Brilhante Ustra (que usava o codinome de ‘Tibiriçá’), sendo subcomandante o Major Dalmo José Cyrillo (‘Major Hermenegildo’ ou ‘Garcia’). Por volta do dia 16 de maio, Aluízio Palhano chegou àquele organismo do II Exército, recambiado do Cenimar do Rio de Janeiro (…) Na noite do dia 20 para 21 daquele mês de maio, por volta das 23 horas, ouvi quando o retiraram da cela contígua à minha e o conduziram para a sala de torturas, que era separada da cela forte, onde me encontrava, por um pequeno corredor. Podia, assim, ouvir os gritos do torturado. A sessão de tortura se prolongou até a alta madrugada do dia 21, provavelmente 2 ou 4 horas da manhã, momento em que se fez silêncio.
Alguns minutos após, fui conduzido a essa mesma sala de torturas, que estava suja de sangue mais que de costume. Perante vários torturadores, particularmente excitados naquele dia, ouvi de um deles, conhecido pelo codinome de ‘JC’ (cujo verdadeiro nome é Dirceu Gravina), a seguinte afirmação: ‘Acabamos de matar o seu amigo, agora é a sua vez’. (…) Entre outros, se encontravam presentes naquele momento os seguintes agentes:’Dr. José’ (oficial do Exército, chefe da equipe); ‘Jacó’ (integrante da equipe, cabo da Aeronáutica); Maurício José de Freitas (‘Lunga’ ou ‘Lungaretti’, integrante dos quadros da Polícia Federal), além do já citado Dirceu Gravina ‘JC’, e outros sobre os quais não tenho referências”. (cf. SEDHPR, CEMDP, “Direito à Memória e à Verdade”, p. 159).
IDENTIFICAÇÕES
Para o diretor executivo do Instituto Vladimir Herzog, Rogério Sottili, a identificação dos restos mortais de Palhano é simbólica, levando-se em consideração o atual momento que o país vive.
“O responsável direto pelo assassinato sob tortura de Aluizio Palhano chama-se Carlos Alberto Brilhante Ustra. E essa pessoa é a referência, é um ídolo daquele que foi eleito presidente da República. Isso é muito triste para o Brasil, mas a identificação desse bancário também sinaliza que nós não cansamos e continuaremos lutando para que o Brasil seja definitivamente democrático, e para evitar que torturadores como Brilhante Ustra sejam vangloriados”, afirma Sottili, mestre em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
PERUS
A primeira ossada de Perus identificada foi a do paulista Dimas Antônio Casemiro, militante do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), em fevereiro deste ano na vala clandestina de Perus. As ossadas foram enviadas à Bósnia.
Ainda, durante a tarde desta segunda-feira (3), familiares de desaparecidos políticos coletaram amostras de material genético, em Brasília. O material vai compor o banco de dados da comissão e, depois, será levado para o laboratório em Haia, na Holanda.
O resultado do procedimento vai servir para a identificação de mais de 40 desaparecidos políticos no Brasil. Ainda não há prazo para novos resultados.
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