O ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, afirmou que a PEC 6/2019 do governo Bolsonaro trás consigo “retrocesso social visível” e inconstitucionalidade “gritante”. O advogado participou, na última quinta-feira (4), de audiência pública promovida pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados.
“Se nós temos um arcabouço constitucional, e esse arcabouço constitucional de proteção com regras próprias, com direitos próprios, é desrespeitado e se esse projeto modifica toda essa discussão — e aí respondo a provocação do Presidente —, podemos deixar muito claro que estamos diante de um retrocesso social visível… Não só na doutrina alemã, mas também na doutrina portuguesa, que tem como um de seus baluartes o Canotilho, há a proibição do retrocesso. Também já há decisão do Supremo Tribunal Federal discutindo e aplicando no direito brasileiro proibindo o retrocesso social, quando discutiu a LOAS (Lei Orgânica de Assistência Social). Você não pode ter uma legislação que implique em retroceder direitos fundamentais reconhecidos na Constituição Federal. Isso é o que chamamos de retrocesso”, conclui Cezar Britto.
O advogado defendeu que a 1° inconstitucionalidade na reforma bolsonarista está na desconstitucionalização da Previdência Social.
“Ora, se eu tenho uma legislação que não mais garantirá assistência social digna, dignidade da pessoa humana, remuneração digna, não erradica mais a pobreza e no art. 6º fala da Previdência Social como função social, isso é cláusula pétrea. O art. 6º diz expressamente que sequer por emenda condicional poderia ser debatido. Vamos supor que por emenda constitucional pudesse ser debatido, mas por emenda, porque a emenda se incorpora à Constituição. Jamais por lei complementar!”
E prossegue, “quer dizer, nós estamos acabando, aniquilando a essência, a compreensão do Constituinte de 1988, levando para a legislação complementar um tema altamente importante, que é a retribuição para aqueles que contribuíram para a construção de uma nação”.
A inda neste ponto, o ex-presidente da OAB destacou:
“E ainda mais. Nos seus textos diz que a questão da idade, que não é só ela a definidora da aposentadoria, passa a ter como elemento definidor da aposentadoria a estatística. Será estabelecida não mais por lei complementar, mas por um órgão de estatística. Quando o órgão de estatística modificar a idade, poderá haver revisão da aposentadoria, e não mais por meio de debates no Parlamento. Trata-se do gatilho. Olhem como isso gera uma inconstitucionalidade, por não mais permitir que esta Casa debata esse tema. Ora, a desconstitucionalização é basicamente inconstitucional” destacou.
Ele também lembra que o constituinte teve a compreensão de construir um sistema absolutamente solidário.
“… o Constituinte deixou um orçamento próprio para isso, um orçamento específico para isso, apartado dos demais.Daí por que nesse orçamento específico — e o texto constitucional diz isso duas vezes, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e no seu texto permanente — é que eu vou alocar verbas para garantir a retribuição social àqueles que construíram para a história”.
“Um orçamento próprio, desvinculado, superavitário, e não só vinculado ao trabalho, não só vinculado à parte que o empregado ativo solidariamente contribui para aquele que já trabalhou, não só apenas o trabalhador, mas também o empresário, por meio dos lucros, porque dele se apropria da atividade do trabalhador, mas todos nós, na loteria esportiva, quando pagamos. Criou-se um sistema de arrecadação de contribuições, expresso, apartado do orçamento normal, para garantir essa retribuição, essa solidariedade no futuro. Esse é o espírito constitucional”, destacou o advogado.
Foram convidados também para palestrar na audiência: o professor de Direito Atuarial da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Arthur Bragança de Vasconcellos Weintraub; o secretário especial adjunto de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco Leal; a Procuradora do Ministério Público de Contas de São Paulo, Elida Graziane Pinto; a Procuradora Regional da República da 3ª Região e professora, Zélia Luiza Pierdoná.
Nas próximas semanas, a CCJ pretende votar um relatório que apresentará aspectos legais e jurídicos da proposta de emenda à Constituição (PEC06/2019). Após este procedimento os deputados poderão admitir ou negar a PEC. Caso seja aceita, a proposta será debatida em uma comissão especial a ser criada.
Confira a íntegra da audiência.