Após uma longa batalha de 32 anos, a Justiça chilena condenou esta semana os elementos que atearam fogo nos estudantes Rodrigo Andrés Rojas de Negri e Carmen Gloria Quintana Arancibia, que se mobilizavam contra a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). Ocorrido na Estação Central, em Santiago, o ataque incendiário tirou a vida de Rodrigo, enquanto Carmen conseguiu sobreviver.
Pinochet é acusado de inumeráveis crimes contra a Humanidade, seu governo foi responsável pelo desaparecimento e assassinato de mais de três mil pessoas, pela tortura de dezenas de milhares de chilenos e por ter forçado mais de 200 mil ao exílio. Apesar disso, para Jair Bolsonaro, Pinochet “fez o que tinha que ser feito”, mas “devia ter matado mais gente”.
De acordo com a sentença do famoso “Caso Queimados”, os ex-militares Julio Ernesto Castañer González, Iván Humberto Figueroa Canobra e Nelson Fidel Medina Gálvez foram condenados a dez anos e um dia de presídio, como autores materiais do crime cometido no dia 2 de julho de 1986. Apontados como cúmplices, Luis Alberto Zúñiga González, Jorge Osvaldo Astorga Espinoza, Francisco Fernando Vásquez Vergara, Leonardo Antonio Riquelme Alarcón, Walter Ronny Lara Gutiérrez, Juan Ramón González Carrasco, Pedro Patricio Franco Rivas e Sergio Hernández Ávila, cumprirão três anos e um dia de presídio, mas ainda é possível que obtenham o benefício de liberdade condicional.
Sobrevivente, Carmen Gloria Quintana divulgou uma carta em que condenou a forma como o caso foi tratado, dizendo que tem “sentimentos desencontrados”. Por um lado, “com alegria ao saber que finalmente se estabelece a verdade oficial que desde as testemunhas declararam desde o começo, situação que a ditadura e a direita chilena tentaram ocultar e distorcer. Agora, ninguém pode negar a evidência”.
“Esta é A VERDADE que ficará guardada na história: dois jovens que lutavam pela democracia foram queimados vivos durante a ditadura civil-militar de Pinochet. Rodrigo Rojas faleceu com 65% do seu corpo queimado, e eu sobrevivi com 62% do meu corpo queimado”, acrescentou.
SOFRIMENTO
Carmen sublinhou que tardou muito tempo em se chegar a essa condenação, e que “nada poderá reparar o meu sofrimento e o de minha família durante anos, o longo e doloroso tratamento médico que significou mais de 40 operações, sessões de reabilitação física e psicológica, as consequências na vida pessoal, aceitar a desfiguração do meu corpo e tentar reconstruir minha vida aos 18 anos depois de passar por tudo isso”.
A ativista disse que também há uma “parte moral familiar, quando fomos perseguidos, por denunciar o caso, minha irmã foi presa por ser testemunha, fomos ameaçadas de morte, tivemos que ir ao exílio, reconstruímos a vida familiar em outro país, com o custo emocional que significou para todos, pais separados, família dispersa entre Chile e Canadá, avós que não puderam ver seus netos crescerem”.
Em relação às sentenças, Carmen considerou que os elementos “foram condenados a penas baixas, considerando o horror que cometeram: eles queimaram vivas duas pessoas. Não sei o que acontecerá agora, se cumprirão suas penas até o final. Depois de 32 anos de impunidade, creio que posso questionar a importância de que a justiça chegue a tempo, e faço um apelo à reflexão para os juízes, para que pensem na impunidade biológica, no fato de que muitas pessoas vítimas da ditadura e familiares de desaparecidos tenham morrido sem ter uma resposta, sem a verdade, sem justiça e sem saber ainda onde estão os restos dos seus seres queridos”.
VIOLAÇÕES
Nesse sentido, Quintana concluiu: “Só espero que esta dura experiência de viver em ditadura, nunca mais se repita no Chile, e para isso devemos construir uma verdadeira democracia. Acelerar os processos ainda pendentes, estabelecer a verdade, a justiça e fazer todos os esforços para encontrar os desaparecidos”.