Faltou respeito às centenas de mortos
Sobre a tragédia, crítica foi a fiscais que inibem “quem quer produzir”
Em mensagem dirigida ao Congresso Nacional, nesta segunda-feira (04), por ocasião da abertura dos trabalhos do ano legislativo, Jair Bolsonaro voltou a repetir que os órgãos responsáveis pela defesa do meio ambiente “atrapalham quem quer produzir”.
“O meio ambiente virou bandeira ideológica, prejudicando quem produz e quem preserva – que, diferentemente do que se prega, são as mesmas pessoas”, disse ele, acrescentando que mesmo com fiscalização demais “não conseguiu coibir a tragédia de Brumadinho”. “De novo: mais um objeto de discurso, que, na prática, ficou desprotegido”, acrescentou.
Bolsonaro prosseguiu em seu detalhamento da mensagem aos parlamentares e disse que está “entre os desafios para os próximos anos a redução do tempo de elaboração de licenças ambientais”.
Ou seja, o que Bolsonaro quis dizer é que a tragédia de Brumadinho, que vitimou 134 pessoas – quantidade de corpos localizados até o fechamento desta edição -, que soterrou pelo menos outras 199 pessoas – que ainda não foram localizadas – e que arrasou o meio ambiente da região, destruindo casas, sítios e matando literalmente as águas do rio Paraopeba, foi causada pelo “excesso de fiscalização” que, em sua opinião, estaria ocorrendo no país. (Leia mais aqui)
Provavelmente foi o mesmo “excesso de fiscalização” sobre a Vale, apontado por Jair Bolsonaro em sua mensagem, que também foi responsável pela devastação, há três anos, da Bacia do Rio Doce, soterrando outras 20 pessoas, sendo 19 encontradas, e um morador, que até agora continua desaparecido.
Ou, quem sabe, não seriam as “exageradas multas” que a Agência Nacional de Mineração (ANM) estaria aplicando às mineradoras as responsáveis também pela estagnação econômica do país. Bolsonaro está, inclusive, insinuando que os fiscais, apesar de estarem “perseguindo as empresas”, não estariam reduzindo os “desastres ambientais”.
Solução apresentada: acabar com os fiscais.
São essas “punições pecuniárias” da ANM, que têm como teto míseros R$ 3,2 mil – para ser mais exato R$ 3.293,90 -, que Bolsonaro, entre outras coisas, costuma chamar de “indústria da multa”. São essas multas ridiculas que, segundo ele, “estariam inibindo aqueles que querem produzir”.
Como se esse valor, que por coincidência, depois da derrocada criminosa da barragem de Brumadinho, aumentou para R$ R$ 3.421,06 (DOU de 31 de janeiro de 2019), fosse fazer alguma diferença nos cofres de grandes mineradoras, que estão destruindo o meio ambiente e matando pessoas pelo Brasil afora.
A Agência Nacional de Mineração, órgão do governo federal responsável pela regulação do setor, tem 32 funcionários no setor de fiscalização, e é ela que tem por função fiscalizar a parte física das 740 barragens de rejeitos de mineração instaladas por todo o país. Esse deve ser o “excesso de fiscais” a que Bolsonaro se refere.
O fato da mensagem do Planalto se referir a uma suposta “demora para liberar licenças ambientais para quem quer produzir”, apenas dez dias após as trágicas imagens de Brumadinho – provocadas pela ganância desenfreada e criminosa da Vale – é uma afronta à consciência nacional.
A Vale está, inclusive, com funcionários presos por fraudar laudos sobre a barragem de Brumadinho no afã de elevar sua produção a qualquer custo, conforme denunciou Maria Teresa Corujo, do Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas (Fonasc-CBH).
As denúncias foram feitas na reunião da Câmara de Atividades Minerárias (CMI), que é uma instância do Conselho de Política Ambiental de Minas Gerais (COPAM/MG), órgão da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD) de Minas.
Esta reunião ocorreu no dia 11 de dezembro de 2018. Ali se travou uma batalha renhida, conduzida por ativistas ambientais, particularmente por Maria Tereza Corujo, representante do Fonasc-CBH, contra a intenção da Vale, e de representantes do governo de Minas, de reativar a barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho.
Neste reunião extraordinária, convocada às pressas pelo governo, outra mineradora, a Anglo American também tinha pretensões de aumentar sua extração mineral.
Com o seu protesto, e o seu voto contra, além da abstenção do representante do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), Júlio Cesar Dutra Grillo, a Vale conseguiu reduzir a classificação de risco da barragem I de Sobradinho do nível 6 (alto risco) para nível 4 (risco médio).
O objetivo da mineradora era aumentar a produção através do reaproveitamento dos rejeitos alocados na barragem que desabou. Até agora a mineradora não revelou se já havia iniciado as obras quando a barragem desabou.
Não é à toa que a revista global de língua inglesa, Financial Times, sediada em Londres e porta-voz dos especuladores, saiu rapidamente em defesa do presidente da Vale, Fabio Schvartsman, como sendo o “principal responsável pelo vigoroso aumento dos dividendos dos acionistas da Vale”.
É verdade. Ele realmente estava dando duro pelos acionistas. Por isso recebeu os rasgados elogios da revista. Os funcionários do refeitório e os moradores de Brumadinho…ah, paciência. Quem mandou eles estarem ali naquela hora? Tudo estava rigorosamente sendo feito para a obtenção do lucro máximo dos acionistas! O resto…bom, o resto que se dane.
“Eles [os que controlam as mineradoras] escolheram de forma muito consciente não fazer o que tem que ser feito. Ali, havia trabalhadores que jamais imaginariam que aquela barragem estava sob algum tipo de risco. Isso é o mais monstruoso. Mas eles são tão prepotentes no modo de atuar que, ao fazer as suas operações, eles não fazem o cálculo do pior cenário”, denunciou Maria Tereza Corujo.
“Eles trabalham sempre na perspectiva de continuar produzindo muito e aumentar o lucro. Quando eles avaliam a legislação, eles pensam que se ela interferir no negócio, não tem problema. Eles fazem lobby para alterar a legislação e deixar o cenário mais fácil para licenciar as obras. Eles não trabalham na perspectiva de que eles atuam com uma atividade econômica de altíssimo risco. Qual o sentido de ter um refeitório abaixo de uma barragem de rejeitos?”, acrescentou a representante do Fonasc-CBH.
Segundo o parecer que concedeu as licenças prévias de instalação e de operação, a Vale obteve luz verde para reaproveitar rejeitos da barragem I. Ou seja, a empresa poderia iniciar obras para recuperar minério de ferro disposto entre os rejeitos – uma espécie de ‘reciclagem’.
Para fazer esse reaproveitamento, retroescavadeiras fariam a remoção mecânica na barragem I seguida por um empilhamento drenado e posterior transporte do minério a ser reaproveitado.
Rodrigo Ribas, Superintendente de Projetos Prioritários (SUPPRI), órgão criado pelo governo Pimentel (PT) para “agilizar” as demandas das mineradoras, trabalhou com afinco pela aprovação do parecer nos processos de licenciamento das minas Jangada e Feijão.
A Secretaria do Meio Ambiente de MG tentou justificar o apoio do governo Pimentel ao rebaixamento da classificação de risco para a barragem que desabou (ela foi rebaixada de nível 6 para nível 4), porque, segundo o órgão, “era apenas para reaproveitamento dos rejeitos”.
O Secretário do Meio Ambiente, Germano Luiz Gomes Vieira, da gestão Pimentel, e que permaneceu no governo Zema (Novo), tentou passar adiante a responsabilidade pelos fatos ocorridos em Brumadinho. Ele disse que “a fiscalização de estabilidade e segurança de barragens de rejeito de minério de ferro, ou seja, questão relacionada à engenharia da barragem, é de responsabilidade do antigo Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM, atual Agência Nacional de Mineração – ANM”.
A mesma agência que, como dissemos, seria a responsável, com seus 32 funcionários, pela segurança de todas as barragens do país. Ou seja, ele, Germano, assim como Bolsonaro, sabem que não há e não querem fiscalização nenhuma.
O Secretário do governo Pimentel chegou a defender que a responsabilidade de fazer a gestão, o monitoramento e garantir a estabilidade da barragem “deve ser do próprio empreendedor”.
Deve ser por este tipo de opinião que ele permaneceu no governo Zema, que tem a mesma visão tosca de Bolsonaro que diz que a defesa do meio ambiente “atrapalha os negócios”. Eles consideram “xiitas” todos os órgãos públicos de fiscalização dos agressores ao meio ambiente.
“Para análise da estabilidade, as empresas têm que contratar auditores independentes de seu quadro funcional que analisam as condições da estrutura e concluem pela garantia ou não da sua estabilidade. Conforme norma federal, essas auditorias devem ocorrer mesmo nos casos de barragens inativas. A Barragem B1 da Vale possuía laudo de um auditor de 2018 garantindo sua estabilidade entregue à ANM”, finalizou o secretário mineiro.
A barragem caiu. E não foi a primeira. O que mostra que deixar para as próprias empresas as auditorias é a senha para que elas sigam cometendo os crimes ambientais como os de Mariana e Brumadinho.
Bolsonaro chegou a defender que se retirasse “a canga dos fiscais das costas de quem quer produzir”. É essa “canga”, ou seja, fiscalização, que a população agora está cobrando da Vale e do governo.
Para Andrea Zhouri, pesquisadora da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) que estuda conflitos ambientais em torno da mineração há décadas, o desastre de Mariana “parece não ter sido levado a sério pelas autoridades”. Um mês após o colapso de Fundão, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais aprovou uma lei que mudou toda a estrutura dos órgãos que aprovam o licenciamento ambiental.
“Tudo para deixar o licenciamento mais simplificado. A toque de caixa. Estão aprovando as obras sem que estudos sejam suficientes, sem que haja debate, avaliação técnica, ou viabilidade ambiental e socioambiental”, critica Zhouri.
Enfim, o que Bolsonaro fez com sua mensagem ao Congresso Nacional, entre as outras coisas que contrariam os interesses do país, foi afrontar o sofrimento das pessoas de Brumadinho que ainda procuram seus parentes e amigos nos escombros do trágico crime ambiental patrocinado pela Vale em sua cidade.
A entrevista do chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, na semana passada, dizendo que não pode intervir na Vale depois do criminoso desabamento, porque seria “uma sinalização negativa para o mercado”, e, agora, a mensagem de Bolsonaro, livrando a Vale, ao calar sobre as irregularidades da empresa, são inaceitáveis e representam uma bofetada na população de Brumadinho.
S.C.
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