O plenário da Câmara dos Deputados aprovou, na quarta-feira (22/05), a Medida Provisória nº 870, que trata das alterações administrativas – Ministérios e secretarias da Presidência da República.
Foi mantido o número de Ministérios em 22, como propôs o governo (eram 29 no último governo). É um sinal dos tempos – dos tempos que o Brasil precisa superar – que uma aberração como esse “desenho”, inclusive com a extinção do Ministério do Trabalho, fosse votada (e aprovada) em meio a tanta apatia.
Toda a discussão concentrou-se em duas questões: a do Ministério em que ficaria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e a tentativa do governo de proibir os auditores da Receita de enviar casos suspeitos – ou até abertamente criminosos – para o Ministério Público.
Não por acaso, o fundo de ambas as questões é o mesmo: a luta contra a corrupção.
Por 228 a 210, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão responsável pela detecção de movimentações financeiras suspeitas ou francamente criminosas – portanto, essencial no combate a fraudes financeiras e à corrupção, bem como à lavagem de dinheiro – saiu, no que se refere à Câmara (ainda haverá votação no Senado), da órbita do Ministério da Justiça e foi transferido para o Ministério da Economia.
Não é surpresa para ninguém que o Coaf está sob ameaça de ser amordaçado – e sua transferência para a órbita de Paulo Guedes, açulada por Bolsonaro ao mesmo tempo em que dizia o contrário, faz parte dessa tentativa de amordaçamento.
O papel do Coaf nas investigações sobre lavagem de dinheiro e combate ao crime organizado vem incomodando muita gente, sobretudo Bolsonaro, que atacou o órgão abertamente, depois que as operações na conta de seu filho Flávio Bolsonaro – e do “gerenciador” do gabinete deste, Fabrício Queiroz, um velho aprochegado de Bolsonaro-pai – foram enviadas, pelo órgão, ao Ministério Público do Rio de Janeiro (v. Bolsonaro ataca Coaf: “quebrou sigilo de Queiroz sem autorização judicial” e Cronologia do crime: os Bolsonaros & outros cidadãos acima de qualquer suspeita).
Foi o Coaf que detectou a movimentação de 1,2 milhão de reais em uma conta de Fabrício Queiroz, entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, incompatível com sua renda.
Foi o Coaf que, também, descobriu que, entre 2014 e 2017, o mesmo Queiroz movimentou R$ 7 milhões, algo totalmente incompatível com sua renda (v. Queiroz não movimentou R$ 1,2 milhão; movimentou R$ 7 milhões, diz Coaf).
Foi o Coaf que revelou que Queiroz depositara dinheiro na conta da esposa de Jair Bolsonaro (v. Queiroz recolhia de 9 e depositava para a esposa de Bolsonaro).
Foi o Coaf que detectou, também, os 48 depósitos suspeitos na conta de Flávio Bolsonaro (v. Quem fazia os depósitos na conta de Flávio Bolsonaro?).
Assim, tudo o que Bolsonaro quer, em relação ao Coaf, é eliminá-lo da face da Terra.
Não podendo fazer isso, prefere que o órgão fique com Guedes, um escroque escolado há muitos anos, do que com Sérgio Moro, que utilizou abundantemente as informações do Coaf na Operação Lava Jato, com o resultado que se sabe.
A oposição estridente do PSL, e mais alguns agregados, no plenário da Câmara, na quarta-feira, bem serviu como cortina de fumaça.
Sobre isso, basta perguntar qual foi o esforço que o Planalto (seja Bolsonaro, seja Onyx Lorenzoni, seja qualquer um que tenha lá alguma importância) fez para que o Coaf ficasse com o Ministério de Moro, isto é, o Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Absolutamente nenhum. A gritaria de alguns débeis mentais governistas, mais do que cortina de fumaça, serviu para aumentar o número dos que votaram a favor de que o Coaf fosse para as mãos de Guedes.
Essa gritaria, além disso, é uma prova da total falta de importância da bancada do PSL, até mesmo para o governo.
Quanto ao resultado da votação, comprovou-se, mais uma vez, o que já dissemos aqui: Bolsonaro não quer de Moro nenhuma ação efetiva no combate à corrupção – sobretudo quando um dos órgãos de seu Ministério detecta as irregularidades (para usar um termo delicado) da Família.
O papel que Bolsonaro quer de Moro é o de uma espécie de bibelô, em um governo cujas prateleiras estão em derrocada, apenas cinco meses depois da posse.
O fato de nada ter feito para manter o Coaf com Moro – pelo contrário, tudo fez, no que fez de efetivo, para retirá-lo de Moro – é uma demonstração desta verdade.
No Congresso, tanto a ação do líder do governo, senador Fernando Bezerra – autor do substitutivo que está sendo votado pela Câmara – quanto a do próprio Onyx Lorenzoni, chefe da Casa Civil e articulador-chefe do governo, foram no sentido de entregar o Coaf a Guedes, portanto, tirá-lo de Moro.
Lorenzoni chegou a dizer, dias antes da votação, que não era importante com quem ficaria o Coaf, pois Moro poderia compartilhar as informações com Guedes…
Como se a questão fosse essa – e não a de que, com Guedes, o governo pretende dar um freio nas próprias atividades do Coaf (aliás, o ataque de Bolsonaro ao Coaf foi exatamente nesse sentido). Haveria, portanto, pouco para ser compartilhado com Moro…
Assim agiu Lorenzoni, destacado por Bolsonaro para articular, na Câmara, a votação da bancada governista.
Portanto, a suposta “derrota” de Bolsonaro na votação de quarta-feira, alardeada e até festejada por alguns inocentes de boa fé (outros, nem tanto), foi mera aparência.
Enquanto isso, os trogloditas do PSL se esgoelavam, em ataques virulentos ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal, taxando-os de vilões da República.
O que somente expõe a real serventia dessa bancada.
Existe, naturalmente, quem demonize Moro, a ponto de achar Guedes mais confiável.
Com isso, joga-se fora, com a água suja da bacia, também a criança. Aliás, nesse caso, a água suja nem mesmo é jogada fora. Só a criança.
Em outras palavras, esquece-se que o inimigo do país, do povo e da democracia é, sobretudo, Bolsonaro, Guedes e respectivas quadrilhas.
Perto deles, Moro é apenas um sujeito simplório, que, depois da saída de seu posto como juiz, vem mostrando uma grande capacidade de auto-ilusão. Até quando, não se sabe.
Mas é fato que Bolsonaro prefere que o Coaf esteja com Guedes – no momento em que a principal investigação do país (e do Coaf) é sobre seu filho e seu entorno.
Somente isto já deveria fazer pensar – e certamente fará pensar – àqueles oposicionistas que votaram para que o Coaf fosse para o Ministério de Guedes.
Afinal, nós sabemos, gostando ou não, quais são os critérios morais de Moro – por mais flexibilizados que eles estejam, após sua entrada no governo Bolsonaro.
Mas, quais são os critérios de Guedes?
Aqueles que lhe permitiram dar golpes em fundos de pensão das estatais, mentir sobre a Previdência – propondo sobre esta um projeto nazista – ou até falar na “fusão” do Banco do Brasil com o Bank of America.
Isto é, nenhum.
Guedes não teria a menor inibição de – se puder – abafar os crimes da Família, contanto que isso lhe permita exercer o que considera a atividade do homem superior: ganhar dinheiro sem trabalhar, ou seja, às custas dos outros, às custas da população, às custas do país (v. Previdência: Guedes mente e tenta submeter CCJ, mas não aguenta reação de deputados).
OUTRA TENTATIVA DE MORDAÇA
A proibição de que auditores fiscais denunciem irregularidades ao Ministério Público, chamada pelos auditores de “MP da mordaça”, foi uma iniciativa do governo e é uma clara tentativa de impedir o combate à corrupção.
O jabuti foi colocado em cima da árvore, na Comissão Especial que analisou a MP da reforma administrativa, pelo líder do governo, Fernando Bezerra Coelho (v. Líder de Bolsonaro quer frear Receita Federal no combate à corrupção).
Outra vez, há quem ache que ele fez isso sem aval do Planalto… Basta pensar no que Bolsonaro – um histérico até as tampas – teria feito, se fosse assim, para perceber que isso é impossível.
Pelo contrário, esse enxerto é totalmente do interesse de Bolsonaro, sobretudo no momento em que seus “negócios” – os da Família – estão sendo submetidos a investigações, inclusive com a quebra de sigilo bancário e fiscal (v. Os negócios suspeitos de Flávio Bolsonaro).
Em seu discurso, na sessão da quarta-feira (22), o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), líder de seu partido na Câmara, também denunciou que o enxerto foi acrescentado no substitutivo da medida provisória pelo governo e que, durante a votação, os governistas esconderam esse fato.
Elmar desabafou, dizendo-se “farto dessa demagogia do Planalto. O procedimento que está havendo nesta Casa por parte do governo é um procedimento canalha”, disse o líder do DEM. “Tem parlamentar convocando participação em manifestação que defende o fechamento do Congresso Nacional, convocando manifestação que defende fechar o Supremo Tribunal Federal. Se o presidente fizesse isso, era crime de responsabilidade, e o parlamentar que faz isso é quebra de decoro”.
Pela liderança da oposição, o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) argumentou que a proibição de que os auditores enviem informações ao Ministério Público representaria um retrocesso na atuação fiscalizatória da Receita Federal: “Um retrocesso nas conquistas obtidas até agora no combate à corrupção”.
Ele também chamou atenção para o fato do dispositivo ter caráter retroativo.
“Isso significa que medidas já tomadas por auditores fiscais poderão ser revistas”, denunciou o deputado.
A decisão sobre a questão dos auditores ficou para quinta-feira (23/05).
S.C.