A histórica cúpula entre o líder Kim Jong Un e o presidente Donald Trump, que o mundo inteiro comemorou, causou em Wall Street queda de 2,8% das ações da Raytheon – que faz os Tomahawk-, conforme o jornal USA Today. As da Lockheed – F-35 e outros sistemas de ataque -, encolheram 1,3%. Contração de 1,5% na Northrop Gruman (mísseis e guerra cibernética) e de 0,1% na Boeing (helicópteros Apache, F-18). Baixa de 1,6% na General Dynamics (submarinos nucleares). O analista Brad McMillan apontou que isso se deveu à percepção de que “estava escapulindo” uma das melhores chances de uma guerra quente – e de mais encomendas bélicas. Como registrou o Commondreams, “a paz é ruim para os negócios”.
Mas foi exatamente a possibilidade de paz permanente na península coreana, através de negociações e afastamento do risco de guerra – inclusive nuclear – o que fez da cúpula, a primeira entre um presidente norte-americano e um líder norte-coreano, ser saudada entusiasticamente por todos os homens de bem do planeta. Ao retornar a Washington, Trump afirmou que “a ameaça de guerra nuclear da Coreia do Norte tinha acabado. Podem dormir tranquilos”.
A mídia imperial, que já estranhara a postura “entre iguais” na cúpula, assombrou-se ainda mais quando Trump, antes de deixar Cingapura, nação-cidade que foi anfitriã do encontro, anunciou que estava suspendendo as manobras militares no sul – que chamou de “jogos de guerra”.
A notícia surpreendeu inclusive o governo de Seul e o comando do Pentágono na Coreia, mas o porta-voz do presidente Moon Jae-in logo saudaria a medida como uma forma de “acelerar” a paz e a desnuclearização. Trump inclusive expressou que essas manobras eram “provocativas” e “inapropriadas”, além de “muito caras”.
Não foram só os especuladores de Wall Street e os traficantes de guerra da indústria bélica que se sentiram no prejuízo com o conciso documento de quatro pontos pela paz e pela desnuclearização da península coreana – toda a península, e não apenas o norte. Nação com cinco mil anos de história, foi ocupada e anexada pelo Japão imperial no início do século passado, e só está dividida porque, a pretexto de desarmar as tropas japonesas, os EUA impuseram sua própria ocupação, que não acabou até hoje, e cuja superação entrou na ordem do dia, abrindo caminho para a reconciliação intercoreana e a reunificação.
O líder democrata no Senado, Chuk Schumer, chamou o acordo Kim-Trump de “muito preocupante” e “impreciso”. O já citado USA Today – um dos maiores jornais dos EUA – o considerou “vago” e “não-obrigatório”. Houve quem alegasse que Trump permitiu que Kim, que era um “pária” – era o que o império dizia – se tornasse em meses “um estadista”.
Outros se lamuriaram que Trump concedera quase tudo em troca de quase nada. Quanto a isso, há que comparar a crua, porém sincera, exposição do analista financeiro McMillan, com a hipocrisia desses fariseus.
A resposta altiva da Coreia quando a ala mais extremada do governo Trump – representada pelo conselheiro John Bolton – fez a provocação sobre a “desnuclearização ao modelo líbio”, acabara, ao contrário, garantindo a cúpula. Não haveria desarmamento unilateral, nem os coreanos iam dobrar a espinha por causa das sanções brutais, mas o Norte estava pronto para negociar.
Assim, a declaração assinala que Kim e Trump conduziram “uma troca de opiniões abrangente, profunda e sincera” para o “estabelecimento de novas relações” Coreia-EUA e a “construção de um regime de paz duradoura e robusta na península coreana”. Trump se comprometeu em fornecer “garantias de segurança” a Pyongyang e Kim, a “completar a desnuclearização”. Quanto à desnuclearização, o documento se remete à cúpula de abril de Kim e Moon, pela reconciliação intercoreana em busca da reunificação.
As discussões duraram cinco horas, sendo precedidas por um encontro Kim-Trump, só com os tradutores, cara a cara. Depois, Trump descreveria Kim como um líder “muito talentoso e duro na negociação e que ama seu país”. Houve vários obstáculos, “que superamos e estamos aqui”, retrucou Kim. Após a assinatura do documento, o presidente dos EUA disse que a cúpula estava sendo “melhor do que qualquer um poderia ter previsto”. Kim a chamou de “um bom prelúdio para a paz” e acrescentou que “tivemos uma reunião histórica e o mundo verá uma grande mudança”.
Em entrevista coletiva após a cúpula, Trump assegurou que haverá uma redução “muito substancial” do arsenal norte-coreano e revelou que Pyongyang se prontificou a destruir um local de teste de motores de mísseis. Mais tarde, o secretário de Estado Mike Pompeo, que está incumbido das negociações posteriores, estimou em “dois anos e meio” essa etapa. A mídia estatal norte-coreana disse que Trump se comprometeu com a revisão das sanções, o que também já foi pedido pela China e pela Rússia.
Há meses, Moscou e Pequim vinham insistindo em que o confronto no extremo leste asiático fosse substituído por diálogo sem pré-condições, antecedido pela suspensão das manobras militares no sul e dos testes nucleares e de mísseis no norte. É grande a torcida para que, desta vez, não se repita o que já houve por duas vezes, quando líderes coreanos assinaram acordos, que foram descumpridos por Washington – até que não restou opção a Pyongyang senão construir sua força de dissuasão nuclear, tornar impossível o desconhecimento da realidade da Guerra Fria congelada de mais de meio século e encontrar, no meio do caminho da reconciliação, a geração que derrubou a ditadura instaurada no sul por Washington. Como disse Kim a Moon em Panmunjon: “eu me pergunto porque foi tão difícil, porque demorou tanto”.
ANTONIO PIMENTA
Existe um acordo entre Rússia e EUA após a segunda guerra para não proliferação de armas atômicas entre as nações.