“O menino hondurenho Johan de 1 ano de idade, com uma camisa verde, bebeu leite de uma garrafa, e pediu água”, relata a revista Time. Foi então sua vez de passar pelo ritual da deportação
O grau de absurdo a que chegou os EUA sob a política xenófoba de Trump de “tolerância zero” é tal que a Associated Press, em matéria reproduzida pela revista Time no domingo (8), registrou a insólita aparição de um menino de 1 (um!) ano de idade em um tribunal de imigração, para que fosse deportado – seu pai, um hondurenho, há havia sido. A cena aconteceu em um tribunal da imigração em Phoenix, Arizona.
Como descreve a AP, “o menino de 1 ano de idade, com uma camisa verde, bebeu leite de uma garrafa, brincou com uma pequena bola roxa que luziu quando caiu no chão e ocasionalmente pediu água”. Foi então sua vez de passar pelo ritual pelo qual tantos imigrantes já passaram, diante de um juiz de imigração.
O menino mal podia conter sua inquietação – o que poderia ser para ele aquela gente estranha, aquele local? Onde estaria seu pai? Nas audiências, que quase sempre acabam em deportação, existe aquele momento inicial em que o juiz pergunta aos réus imigrantes – que em geral não falam inglês – se “estavam entendo o processo”. Uma formalidade vazia, um arremedo de justiça, quase um escárnio.
Uma situação ainda mais ignóbil diante de uma criança, um bebê de 1 ano de idade. “Estou envergonhado de perguntar, porque não sei a quem você explicaria, a menos que você ache que uma criança de 1 ano poderia aprender a lei de imigração”, disse o juiz John W. Richardson ao advogado que o representa.
A mídia tem exposto fotos de crianças nessa situação, sentadas, atônitas, fones enormes para seu tamanho, ouvindo a tradução do que o juiz está dizendo. As crianças que foram sequestradas de seus pais para servirem de moeda de troca na obtenção do financiamento para o muro na fronteira com o México e para amealhar votos de racistas nas eleições de novembro.
Conforme a AP, o sistema de tribunais de imigração, desenvolvido sob Obama e exacerbado por Trump, é tão iníquo que “exige que crianças – algumas ainda em fraldas – tenham de comparecer perante juízes e passem por processos de deportação enquanto estão separados de seus pais”. Sequer têm direito a um advogado nomeado pelo tribunal. De acordo com a Kids in Need of Defense (‘Crianças que Necessitam de Defesa’), entidade que presta assistência legal a essas crianças, 90% das crianças sem advogado retornam ao seu país de origem.
O nome do bebê no tribunal é Johan, segundo o advogado, e está sob custódia do Departamento de Saúde e Serviços Humanos do Arizona. Depois de tempo, a criança tirou os sapatos e ficou só de meias. Ficou calado durante a maior parte da audiência, mas chorou muito quando a mulher que cuidava dele o deixou por alguns segundo com mais alguém enquanto pegava sua bolsa de fraldas.
No final, Johan recebeu uma “ordem de saída voluntária”, autorizando o governo a levá-lo a Honduras para se reunir com a família de que foi separado à força. Um advogado do Florence Project, uma organização sem fins lucrativos sediada no Arizona que presta assistência jurídica gratuita a imigrantes, confirmou que seus pais estavam em Honduras.
Mais ou menos na mesma época da audiência em San Diego, outras crianças que haviam sido separadas de seus pais foram ao tribunal de Phoenix. Um menino da Guatemala vestido com um colete e gravata foi perguntado pelo juiz quantos anos ele tinha, e a criança simplesmente colocou cinco dedos para cima. Seu advogado disse que seu pai havia sido deportado há duas semanas para sua casa na Guatemala. Ele pediu uma saída voluntária para o menino.
O imigrante hondurenho Christian Granados foi separado de sua filha de 5 anos, Cristhy, por mais de um mês depois que eles foram detidos em El Paso, Texas, tentando entrar nos EUA. Ela foi levada para um abrigo em Chicago, enquanto ele foi liberado em 24 de junho e aguarda pedido de asilo. Ele foi morar com parentes em Fort Mill, SC – mas agora teme que não possa pagar a passagem aérea para que sua menina se reúna a ele. Ele disse que as autoridades pediram US $ 1.250 para levá-la de Chicago. “Eu não senti a felicidade que deveria sentir por estar aqui nos Estados Unidos”, disse Granados. “Felicidade é quando tenho minha filha comigo.”
Uma menina de 7 anos de arco rosa e vestido, que foi separada do pai, já deportado para a Guatemala, sentou-se pacientemente em um banco de madeira até ser inquirida pelo juiz. Ele lhe perguntou se queria voltar para a Guatemala e tinha medo de se machucar lá. A menina respondeu que não: mais uma deportação para se reunir com a família.
Richardson disse que o caso do menino Johan serve de alerta quanto ao prazo para reunir as crianças pequenas com suas famílias dado por um juiz federal de San Diego, que acaba nesta terça-feira (10) para as menores de 5 anos e vai até 26 de julho para as demais. O caso do menino foi ouvido no mesmo dia em que o governo Trump disse que precisava de mais tempo para reunir 101 crianças menores de 5 anos para garantir a segurança das crianças e confirmar suas relações parentais.
ANTONIO PIMENTA