A Tailândia e o mundo inteiro estão celebrando o resgate dos 12 meninos do time de futebol ‘Javalis Selvagens’ e seu treinador da caverna alagada de Tham Luang, no norte do país, após uma operação de salvamento de altíssimo risco, que envolveu 90 mergulhadores e com quase mil pessoas no apoio no local, muitos deles voluntários, encerrando uma saga de 17 dias.
Os meninos, de idades entre 11 e 17 anos, já estão sob cuidados médicos no hospital central de Chiang Rai, a capital provincial, e seus familiares e colegas de escola comemoraram o salvamento, ansiosos por abraçá-los. A notícia foi recebida com buzinadas, explosões de alegria e abraços em Mae Sai, o vilarejo de onde eles vieram.
Em plena realização da Copa do Mundo, a odisseia dos “12 javalis” comoveu o planeta, atraiu atenções, preces e uma torcida imensa pelos meninos e a equipe de resgate. Após um treino no dia 23, os meninos haviam ido comemorar o aniversário de um deles, se abrigaram na caverna por causa de uma chuva inesperada, que alagou tudo, deixando-os presos sem comida, no escuro, por nove dias, até serem encontrados por dois mergulhadores ingleses.
Os últimos quatro meninos e o técnico do time foram recuperados com sucesso nessa terça-feira (10). Ao final de tudo, saíram o médico e os três mergulhadores que permaneceram com os meninos até ser completado o resgate. A missão de terça-feira era tida como a mais difícil, já que envolvia encaminhar até a segurança os meninos mais debilitados, mas acabou sendo a que fluiu com mais rapidez, completada em nove horas.
Na primeira, foram 11 horas. Assim que saíam da caverna, os resgatados eram levados para exames preliminares em um hospital de campanha e dali, de helicóptero, em um trajeto de 20 minutos, até Chiang Rai. Na véspera, na segunda leva, haviam sido quatro meninos; no domingo, os quatro primeiros.
O último dos ‘javalis’ resgatados, o treinador Ekarat Wongsukchan, que é carinhosamente chamado pelo time de “Ekk”, deixou a caverna perto das 19 h (hora local). Sob repetidos aplausos, o chefe do centro de comando conjunto que coordenou o resgate, Narongsak Ostanakorn, anunciou à noite o sucesso da “missão que para muitos parecia impossível”.
Os mergulhadores de elite da marinha tailandesa postaram nas redes sociais a notícia alvissareira “os 12 javalis e o técnico saíram da caverna e estão em segurança” – e o comentário que resume o que houve: “não sabemos se foi milagre, ciência, ou o que foi”.
O HERÓI SAMAN
O ex-mergulhador militar e voluntário Saman Kunan, de 38 anos, que morreu na fase inicial da operação, ao voltar de levar tanques de oxigênio para o resgate, foi homenageado ao ser concluída com êxito a salvação dos meninos: “herói não apenas para os tailandeses, mas para o mundo todo”. “Descanse em paz, irmão Saman”.
Os meninos e o treinador realizaram exames, receberam antibióticos e foram vacinados contra o tétano e a raiva. Eles devem ficar no hospital pelo menos durante uma semana. Seus familiares podem vê-los através de um vidro, enquanto se descarta a possibilidade de infecções. Depois de mais de duas semanas na escuridão da caverna, agora precisam se reajustar à luz. O primeiro grupo resgatado já viu os pais. Apesar de debilitados pelo jejum prolongado e pelo ambiente inóspito, as autoridades médicas consideram que o estado deles é bom.
A morte inesperada de Saman evidenciou o grau de risco da operação e sua urgência. Na câmara da caverna mais traiçoeira, uma curva em U alagada com água turva, de visibilidade zero. Adiante, um trecho em túnel tão estreito que o mergulhador precisava tirar o tanque de oxigênio para poder passar. Um percurso de quase quatro quilômetros.
Havia partes em que era preciso fazer escalada. Foram colocadas cordas guias, posicionados cilindros de ar adicionais ao longo do trajeto e mergulhadores em pontos estratégicos prontos para agir em caso de qualquer problema.
Cada menino usava uma máscara facial e era acompanhado por dois ou três mergulhadores, que garantiam o provimento de oxigênio. Os meninos receberam ansiolíticos (calmantes), mas foi desmentido que tivessem sido sedados.
O treinador Ekk, ex-monge budista, cumpriu um papel essencial ao coesionar os meninos para enfrentar sem desespero a adversidade. Ficou sem comer, para permitir que o pouco que havia mantivesse o melhor possível as crianças, e foi o último a sair da caverna.
A operação também foi marcada pela recusa ao exibicionismo e ao clima de ‘montanha dos sete abutres’ tão característico da cobertura da grande mídia ocidental. As autoridades tailandesas protegeram os meninos e suas famílias das câmeras de televisão, não divulgaram os nomes dos que já haviam sido resgatados, em respeito às famílias, e o que havia para ser mostrado eram ambulâncias e helicópteros. A imprensa recebeu a ordem de deixar a entrada da caverna para não atrapalhar o resgate.
Além do carinho espontaneamente manifestado nos mais diferentes lugares, não faltou a solidariedade internacional concreta, com a presença de mergulhadores e especialistas do mundo inteiro, que foram decisivos em aportar toda a ajuda que se fazia necessária.
Por vários dias, centenas de milhares de pessoas, talvez bilhões, no mundo inteiro se angustiaram pelos meninos tailandeses, torceram por eles, irmanadas numa corrente de empatia e esperança. Os olhos do mundo ao mesmo tempo voltados para a Copa de Moscou e a caverna de Tham Luang. Não é pouca coisa, num tempo de xenofobia, de separação de filhos de imigrantes dos pais, de refugiados afogados no Mediterrâneo, de egoísmo, ostentação e ganância, de discurso de ódio, corrupção e mentira. A FIFA até convidou o time dos “Javalis Selvagens” para assistirem a final da Copa em Moscou no próximo domingo. Não será possível por causa do período de recuperação hospitalar – mas o golaço que essa corrente de fraternidade representa, está lá.
ANTONIO PIMENTA